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PRÓLOGO

Verão de 2018. 

Estou sentada naquela que foi a nossa cama. Passaram-se 9 anos. Parece que foi ontem. O teu cheiro continua aqui, a casa está como a deixaste, lá fora o mar continua irrequieto e o sol brilha com a mesma intensidade. O nosso filho corre na mesma areia onde o concebemos. Observo-lhe os olhos azuis, tão iguais aos teus. Consigo ver-te através dele. 

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Tu já não estás aqui, mas sinto-te como se estivesses. Esta casinha ainda guarda as tuas fotografias, parece que ainda consigo ouvir o som das tuas gargalhadas e o cheiro do peixe fresco que fazias questão de pescar e de me trazer. Mas tu já não moras aqui. Faz agora 9 anos, que fizeste do meu coração a tua casa. Ele é a tua casa. Será sempre a tua casa. E a minha memória, será para sempre, a casa da nossa linda, quente e irresistível história de amor. 

As nuvens negras estão a chegar. Pressinto uma tempestade. Chamo o Duarte para dentro. Ficaremos aqui por uns dias. Vou contar-lhe a tua teoria. 

«O amor é como uma tempestade de verão: chega quando quer, quase sempre sem aviso, e muda-nos os planos todos. Por muito medo que sintamos, torna-se impossível não querer sair à rua e dançar na chuva. É um espectáculo tão belo, que se torna irresistível. Com o amor é exatamente a mesma coisa: as pessoas têm medo, sabem que podem ferir-se, sair magoadas ou mortas, mas ainda assim, são tentadas a correr todos os riscos. E deve-se correr o risco. Fugir do que nos faz viver, é morrer em vida.» 

Aprendi tanto contigo. Ainda bem que não fugi de ti. Onde quer que estejas, estarás a sorrir e a dizer: ainda bem que não fugiste. 

O Duarte já dorme. Lá fora, a lua ocupa o lugar do sol e a brisa do mar torna o ar mais leve. Ligo o candeeiro, sento-me na velha cadeira de madeira que ainda continua junto à tua pequena mesa de escritor. Pego na minha mala e retiro o diário que me ofereceste. Está vazio. As páginas estão em branco. Jurei que um dia, iria encher estas páginas de ti, de nós, de tudo aquilo que vive na minha memória e dentro do meu coração. Chegou o momento. Sinto que a nossa história merece ser contada ao mundo. Hoje, e mais do que nunca, sei que o nosso amor foi como uma tempestade de verão: intenso, majestoso, um espectáculo digno de ser narrado neste velho diário que me deixaste antes de partir… 

Ao som das ondas do mar, vou escrever a nossa história e tornar este diário na biografia mais verdadeira e honesta da palavra amor.



I
 Junho 2009.

      Há perguntas que se forem feitas pela pessoa errada, tornam-se pesadas e muito difíceis de responder. «Queres casal comigo?», é uma delas. Foi o que eu percebi, quando o Ricardo me pediu em casamento, numa noite quente de Junho, duas semanas antes de te conhecer.

      Foi na última sexta-feira de junho, que o Ricardo decidiu presentear-me, com um jantar romântico, num dos hotéis mais luxuosos de Lisboa. Estávamos em crise. Há muito que ponderava terminar a nossa relação. Já não me sentia feliz, o meu corpo já não reagia ao dele. Decidi aceitar o seu convite, na esperança de que ele conseguisse encontrar a solução mágica para o fim praticamente declarado da nossa relação.

      Vendada, subi com ele ao topo do edifício. Não fazia ideia do que o Ricardo me tivera preparado. «É uma surpresa!», fora a resposta quando tentara descobrir.

      - Chegamos! – anunciou.
      - Chegamos onde? – questionei, curiosa.
      - Já vais ver. – respondeu.

      Tentei captar os sons. Ouvia buzinas, carros a passar, pessoas em conversas paralelas. Percebi que estávamos no centro da cidade. Nesse momento, senti o Ricardo a colocar-se atrás de mim. Finalmente ia descobrir o que ele tivera planeado para nós. Não demoraram dez segundos, para que ele me desapertasse o nó da minha venda. Abri os olhos e nem quis acreditar no que estava a ver!

      O Ricardo tivera reservado o topo do hotel para nós. O chão estava decorado com velas que desenhavam um enorme coração, no centro do coração estava uma mesa, decorada com rosas brancas e vermelhas, as minhas flores de eleição. Ao fundo, estavam dois senhores de cabelo grisalho, sentados, com uma guitarra portuguesa ao colo. Os meus olhos alcançavam o parque Eduardo Sétimo. Como é lindo ver a cidade repleta de luz!

     - O que é isto? – perguntei, espantada.
     - É a minha forma de dizer que te amo. – respondeu, enquanto me esboçava um sorriso sedutor.

      Olhei para o Ricardo. Fixei o meu olhar no rosto dele. Ainda gostava dos seus olhos cor de mel, do seu sorriso radiante, do seu corpo moreno, musculado e atraente. Ainda o admirava e lhe agradecia o apoio incondicional que sempre me tivera dado. Mas sabia que já não era amor. Eu já não o amava. Olhava para ele e só via um grande amigo.

     - Ricardo, eu sei que estamos aqui para tentar salvar a nossa relação, mas… - Ricardo pousa a sua mão direita nos meus lábios e interrompe-me o raciocínio.
      - Vamos jantar, aproveitar a noite e falar de assuntos sérios depois. – impôs.

     No final do jantar, o Ricardo convidou-me para dançar. Tentei dizer-lhe que não, mas fui surpreendida novamente. Os senhores de cabelo grisalho começaram a tocar os primeiros acordes do fado «Chuva», um dos meus favoritos. De seguida, a voz de Mariza começou a ecoar. Eu nem consegui acreditar que o Ricardo contratara a Mariza para embalar o nosso jantar romântico! Fiquei tão feliz.

     O Ricardo conhecia-me como ninguém. Sabia-me de cor. Conhecia todos os meus sonhos, os meus planos, idealizava as nossas viagens, queria levar-me a todos os sítios que eu sempre sonhei em visitar e construir comigo uma família feliz. Todos nos consideravam o casal perfeito, a minha família acreditava que eu tinha encontrado o homem dos sonhos de qualquer mulher. Eu também acreditava. Só mais tarde percebi, que este namorado perfeito, não era de todo o que aparentava.

     Ao tentar agradecer-lhe tudo aquilo, Ricardo calou-me com um beijo.
     - Podes fechar os olhos, por favor?
Fiquei nervosa com este pedido do Ricardo. Tinha medo do que ele poderia vir a fazer. Tinha medo que ele me pedisse em casamento. Sabia que não lhe poderia responder sim.
    - Fechar os olhos? Para quê? – indaguei, visivelmente nervosa.
    - Fecha os olhos e verás!
Suspirei fundo e acedi ao seu pedido. Paramos a dança mas a música continuou.
     - Já podes abrir! – afirmou.
 O que eu temia estava a acontecer. O Ricardo estava ajoelhado aos meus pés, com um anel lindíssimo, apontado na minha direção.
     - Queres casar comigo? – questionou, nervoso, enquanto esboçava o seu maior sorriso.
Fiquei sem reação. Não queria magoá-lo, não queria que os nossos cinco anos de namoro terminassem daquela forma. Senti os meus olhos a inundarem-se de lágrimas, respirei fundo, acobardei-me e respondi: «Sim.»
     Radiante, o Ricardo pegou em mim ao colo e fez-me girar várias vezes. Fiquei tonta. Queria gritar-lhe para me colocar no chão. Mas naquele momento, a minha voz tinha ensurdecido. Ele estava feliz. Eu estava dilacerada por dentro.  

     No caminho para casa, o nosso carro começou a ser seguido por várias motas. O Ricardo acelerou, pensando que estávamos a ser perseguidos por bandidos. Rapidamente percebemos que eram paparazzis. Os flashes das câmaras ofuscaram os nossos olhos. O carro guinou e o Ricardo perdeu o controlo. Embatemos contra uma árvore. Lembro-me de bater com a cabeça no tablier e de ver os paparazzi a fotografarem-me sem me prestar qualquer tipo de auxílio.

     Foi nesse momento, que tomei a decisão que mudou toda a minha vida e me levou ao teu encontro.


II

Julho 2009.

       Flashes e mais flashes. Muitos telemóveis e gravadores apontados para a minha boca. Todos desejavam saber o meu segredo. Os jornalistas, atiravam perguntas ao ar: «Vai lançar um livro?», «Uma revista?», «Está grávida?».

      Lembro-me de ter tentado respirar fundo para revelar, diante de todos, até do Ricardo, dos meus pais e do meu irmão, a decisão que tomara. Lá fora, o público gritava pelo meu nome. Esperavam pela sessão de autógrafos que sempre acontecia após todos os meus concertos. Suspirei fortemente. Fechei os olhos e recordei o acidente. O acidente que os paparazzi, que estavam diante de mim, não quiseram impedir. A minha memória fez-me viajar até essa noite. Relembrei o pedido de casamento, o meu «sim» acobardado, a perseguição, os flashes.

      Estava cansada daquela vida, completamente farta das mentiras, das capas sensacionalistas das revistas, da vida mediática que levava e que me deixava esgotada. Estava cansada do meu namoro monótono, de ser obrigada a sorrir quando só tinha vontade de chorar. Estava farta de viver mais pelos outros do que por mim.

      Não é fácil ser figura pública. Eu sentia-me como se estivesse a viver uma vida que não era a minha. Sempre quis ser cantora, sempre sonhei atuar nas maiores salas de espetáculo de Portugal, sempre quis ouvir os aplausos do público e de o ouvir ecoar as minhas canções. Só que eu já não era feliz com isso. Senti que estava na hora de criar novos sonhos e de me reencontrar.

     Olhei para todos os paparazzi, e com a voz trémula, anunciei.
      - Vou dar uma pausa na minha carreira musical.
     A surpresa do Ricardo e da minha família foi notória, ninguém compreendeu a minha decisão. Acredito que pensaram que estava louca, mas eu sabia que estava a fazer a coisa certa.
      - Vou de férias, afastar-me de tudo isto, e depois voltarei com músicas novas e, quem sabe, uma nova vida. – garanti.

    A azáfama foi visível. Fui bombardeada com mil questões ao mesmo tempo. Recusei-me a responder a todas elas. Virei costas e pedi para o Ricardo me acompanhar até ao camarim. Ele seguiu-me, visivelmente irritado.
  
      - Estás louca? Vais dar uma pausa na tua carreira, justamente no verão, quando tens a agenda cheia de espetáculos?
    Percebi que o Ricardo estava zangado. Bebi uma garrafa de água gelada. Sentei-me na cadeira giratória, que se encontrava junto à mesa onde estavam as malas de maquilhagem e os acessórios para o meu cabelo. Olhei fixamente para o espelho que estava mesmo à minha frente. Sabia que estava certa. Sabia que era aquilo mesmo que eu devia fazer.
      - Não estou louca, Ricardo! Preciso de um tempo para mim, de me afastar da vida esgotante que vivo há cinco anos. Preciso de respirar ar puro e reencontrar-me. – assumi, emocionada.
    O Ricardo puxou uma cadeira de plástico e sentou-se ao meu lado. Olhei para ele, com os olhos inundados de lágrimas. O que tinha para lhe dizer não era fácil.
      - Não é só na minha carreira que eu quero dar um tempo. – Senti o meu peito pesado, angustiado. Engoli em seco e prossegui. – Quero dar um tempo à nossa relação também!
  
    Fez-se um silêncio colossal. Vi as lágrimas a correrem em catadupa pelo seu rosto. Senti-me dilacerada por dentro. É triste demais quando o amor acaba, quando sabemos que isso causará dor em outra pessoa. Quis consolá-lo, dizer-lhe que ia ficar tudo bem, mas sentia-me tão esgotada, dilacerada, desprovida de força. Precisava mesmo de um tempo comigo mesma.
 
     - É mesmo isto que tu queres? – indagou, visivelmente triste e desorientado.
     - É. – afirmei com o tom mais convicto que consegui.
     - Há outra pessoa?
 Esbocei um leve sorriso.
    - Não existe mais ninguém. – garanti.
 Ricardo limpou as lágrimas e olhou para mim.
    - Para onde vais?
    - Não vou dizer a ninguém, desculpa. Eu preciso mesmo ficar sozinha.
 Ricardo assentiu. Olhei para ele mais uma vez, dei-lhe um beijo no rosto, sussurrei-lhe a palavra «desculpa» ao ouvido, peguei na minha guitarra e na minha mala e saí.

 A minha família esperava-me à porta do camarim. Enfrentei-os:
    - Vou passar uns tempos fora. Não se preocupem comigo, estarei em contacto com vocês. – tentei tranquilizá-los.
A minha mãe tentou dizer-me algo, mas virei as costas antes que a conversa se prolongasse e tivesse que justificar a atitude drástica que havia tomado. Há momentos em que não sentimos vontade de partilhar com os outros as nossas agonias e frustrações. Naquele momento, eu só queria fugir, desaparecer, deixar tudo para trás e reencontrar-me. Eu precisava descobrir um novo sentido para a minha vida. Eu precisava encontrar a parte de mim que me faltava.

    Sai da sala de espetáculos, onde tivera atuado minutos antes, e apanhei o primeiro táxi que apareceu. Entrei e ordenei uma direção: Peniche.

Fábio Teixeira




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