A vida que não vamos viver

 


Sinopse
Joana e Diogo foram amigos de escola. 
Apaixonaram-se. 
Mas o amor que palpitava dentro dos seus corações foi encarado de forma diferente. Joana aceitou-o. Diogo rejeitou-o. 
Os dois afastaram-se e durante largos anos não souberam nada um do outro.
Joana refugiou-se na escrita para declarar todo o amor que sentia por Diogo, tornando-se numa das mais promissoras escritoras românticas. Diogo mudou-se para Portimão onde acabou por abrir o seu próprio negócio: uma loja de surf, modalidade que pratica. 
Atualmente, ambos vivem vidas monótonas. 
Joana vive refugiada nas histórias que escreve e Diogo vive entregue à loja, ao surf e à namorada Nanda, por quem não sente mais do que uma pura amizade. Habituou-se a ela e não sabe como a deixar. 
A monotonia na vida de Joana e Diogo termina quando se reencontram, por acaso, na praia da Rocha. O amor que parecia extinguido, renasce das cinzas do passado mal resolvido e uma avalanche de sentimentos apodera-se deles. Joana percebe que nunca esqueceu Diogo.
Diogo percebe que não dá para fugir do destino. 
Quando, finalmente, Joana e Diogo decidem dar uma oportunidade ao que sempre sentiram um pelo outro, um terrível acontecimento ameaça arruinar a felicidade dos dois. 
E se, de uma hora para a outra, alguém demasiado importante para si ficasse entre a vida e a morte? O que você faria?

Deslize para baixo e comece a ler.



Capítulo 1
JOANA
 
«Como queiras.»
Foram as últimas palavras escritas que recebi do Diogo, há dez anos, depois de eu ter terminado a nossa “amizade”. Durante a viagem para Portimão, elas voltam a ecoar na minha cabeça. Não sei nada do Diogo há anos. A última notícia que soube, através de um amigo em comum, foi que ele tinha namorada e que estava feliz. Confesso que essa informação não me deixou triste, nem sequer me fez perceber qualquer resquício de dor. Acho que, depois de tudo o que aconteceu, me conformei com o facto de me ter apaixonado por uma pessoa que nunca se apaixonou por mim. Acontece com quase todas as pessoas ao longo da vida. Eu não seria uma exceção.
Ironicamente sorrio para mim própria enquanto abano a cabeça na esperança de que o Diogo viaje para longe dos meus pensamentos. Ele faz parte do meu passado e é lá que deve permanecer. Passados tantos anos, ele já não faz sentido no meu presente e muito menos nos meus pensamentos. O tempo passou, muitos anos se passaram, e as nossas vidas trilharam por caminhos opostos que nos foram afastando cada vez mais. 
É difícil perceber a vida, é difícil entender como é que pessoas que se conheceram tão bem, que viveram tantas coisas, que trocaram promessas e que fizeram planos juntas, de um momento para o outro passem a ser pessoas estranhas, sem nenhuma ligação... 
E depois o que fica é uma sensação visceral de nostalgia que nos faz questionar "onde foi que nos perdemos? Como é que isto aconteceu?".  
Às vezes penso como seria se encontrasse o Diogo, por um acaso da vida, numa rua qualquer. Será que voltaria a ter aquele ataque de taquicardia que sempre tinha quando o encontrava? Será que as minhas pernas iriam ficar bambas como sempre ficavam? Será que no meu peito ainda iria transbordar a vontade de o abraçar e agarrar para toda a vida? Será que a mágoa me iria comandar e fazer-me dizer-lhe na cara todas as verdades que ele merece ouvir? Ou será que iria beijá-lo sem perguntas nem hesitações? 
São tantas as vezes em que penso nele, na pessoa que eu fui quando o conheci, na pessoa que fui com ele, no que senti por ele, no que passei por causa dele. Nenhuma palavra do dicionário será capaz de descrever a imensidão do amor que senti - na verdade, mesmo negando a mim própria, ainda sinto - por ele. 
Ele mudou a minha vida. Nada mais voltou a ser igual. 
Mas a vida afastou-nos e eu fui obrigada a reconstruir-me, a seguir em frente, a tentar sobreviver à falta, ao vazio e ao desgosto. 
E assim se passaram anos de ausência e de crescimento. 
Os meus sonhos antigos foram trocados por novos e melhores e o futuro que eu imaginei que iria viver ao lado do Diogo, hoje, não passa de uma quimera.
O futuro nunca é o que tanto sonhamos nem o que planeamos antes de dormir.
Mas por mais que tente sacudir o Diogo dos meus pensamentos e expulsá-lo do meu coração, ele ainda vive dentro de mim. Ainda espero que uma reviravolta da vida nos una novamente e nos faça caminhar, lado a lado, pela mesma estrada e na mesma direção. Será exigir demais da vida se pedir que ela me deixe ficar ao lado da pessoa que dá sentido à minha existência? Eu penso que não. Mas a vida parece mostrar-me que é.
     — Está tudo bem? – a voz suave da Diana, minha melhor amiga e confidente, puxa-me para fora dos meus pensamentos.
     — Está tudo ótimo! – afirmo ao mesmo tempo esboço o sorriso mais convincente que consigo.
     — É que estás tão calada… pensei que estivesses a sentir-te mal. – o seu olhar penetrante deixa-me intimidada.
     — Nada disso, estou bem. – tranquilizo-a.
     — Eu estou preocupada contigo, Joana! Tu andas sempre cansada, estás pálida, sem falar dos desmaios e das tonturas constantes… Eu juro que eu não percebo porque relutas tanto em fazer exames.
O sermão já estava a demorar a chegar. – penso.
     — Estou apenas cansada. – desvalorizo. – Sabes que quando estou envolvida na escrita de um livro novo fico sempre assim. – fito-a de soslaio. – É sempre assim!
     — Desta vez é diferente! – exclama, com algum incómodo presente na sua voz.
     — Está tudo bem! A sério. – pouso a minha mão direita na sua perna tentando tranquilizá-la. – Mas mudando de assunto. O Igor vai ter connosco ao apartamento que eu aluguei?
     — Vai! Aliás, acabou de me enviar uma mensagem a dizer que estava a sair da loja de surf. – o sorriso rasgado que esboça faz-me compreender o quanto ela está apaixonada pelo Igor.
É bom estar apaixonada. Parece que o mundo ganha novas cores, o ar fica menos pesado, todos os problemas parecem amenizar-se… Parece que quando estamos apaixonados ganhamos força e coragem para tudo. – penso.
A estrada está quase vazia. O termómetro do carro indica-me os 30 graus que se fazem sentir. Perco o meu olhar pelo horizonte que me ladeia. O ar quente e o crepúsculo estarrecedor que a minha vista alcança transmitem-me uma serenidade e uma enorme alegria por ter a sorte de avistar tudo o que os meus olhos vêem. A natureza é esplêndida e as pessoas são sortudas por poderem contemplá-la.
Na rádio começa a tocar a música «Always» do Gavin James e eu aumento o volume. Os meus pensamentos encontram-se com a letra e eu vejo-me diante do Diogo, a dizer-lhe, olhos nos olhos, que ele está na minha cabeça, sempre, sempre. E está. Sempre esteve. Sempre estará. Há amores que o tempo não apaga, que as circunstâncias da vida não destroem e o Universo não deixa que terminem jamais. Existem aquelas pessoas que viram a nossa vida do avesso, que nos tiram o chão e nos fazem sentir paralisados diante do sentimento avassalador que despertam em nós. Sempre senti o Diogo como uma dessas pessoas e sempre acreditei, desde o dia em que me descobri apaixonada por ele, que o iria amar até o fim dos meus dias. Já o disse mas volto a afirmar: por mais palavras que eu encontre no dicionário, nunca, nenhuma, conseguirá definir a dimensão do meu amor por ele. Ele sempre foi tudo para mim e o que ele despertou em mim sempre foi maior do que tudo o que já experienciei. O que sinto por ele parece-me transcendental, um sentimento desmedido que sempre foi maior que a razão e que sempre esteve longe do discernimento. Acredito que o nosso encontro não é de agora e que a nossa ligação vem de muitos passados de que nem eu nem ele conseguimos ter memórias mas que aconteceram. Sinto-o como a minha alma-gémea, como uma peça importante na minha existência. Mas de que tudo isto vale, se estamos separados há dez anos sem ter contacto um com o outro?
«A pessoa de quem você gosta também gosta de si. Embora você acredite que não.»
As palavras da cigana que encontrei, por acaso, há alguns dias, na Avenida dos Aliados, surgem na minha cabeça. Nunca fui crente nessas pessoas que dizem prever o futuro ou que juram conseguir unir e separar pessoas mas como é que aquela cigana, que insistiu para que eu lhe entregasse a minha mão, podia saber que eu gostava de alguém?
«A sua vida está prestes a mudar. A linha do destino indica um novo caminho. Um reencontro está prestes a acontecer. Alguém que mudou a sua vida e a fez ver o mundo de outra forma irá voltar à sua vida e desta vez tudo poderá ter um desfecho diferente. Só depende de vocês.»
A profecia da cigana invade os meus pensamentos. Não sei se está certa mas o meu coração tem palpitado com maior intensidade. Eu própria sinto que a minha vida está prestes a mudar. Será que estou a ficar louca?
     — Diana, tu acreditas em videntes? – a pergunta voa da minha boca sem que eu consiga travá-la com os meus lábios. Fixo os meus olhos na estrada com medo de encarar uma das pessoas que mais me conhece e que, com certeza, vai perceber, automaticamente, que esta pergunta tem um significado importante para mim.
Pelo canto do meu olho direito vejo a Diana, espantada, a olhar para mim.
     — Acredito. Mas porquê essa pergunta?
Já sabia que ela me ia interrogar e agora o melhor a fazer é contar-lhe o que aconteceu na Avenida dos Aliados.
     — É que, há uns dias, eu encontrei uma cigana no meio da Avenida dos Aliados e ela pediu-me…
     — O quê? – interrompe, efusiva. – Tu encontraste a Zélia?! – a expressão incrédula da Diana deixa-me ainda mais perturbada.
     — Tu conhece-la? – questiono, reticente.
     — Estás fodida! – engulo em seco. – Se encontraste a Zélia e ela te disse alguma coisa podes ter uma certeza: vai acontecer! – Percebo que a Diana está fixa a olhar para mim. – O que foi que ela te disse?
     — Tu sabes que eu não acredito muito nestas coisas. – assumo.
     — As pessoas tendem em não acreditar no que não conhecem.
     Olho de relance para a Diana tentando decifrar a tradução das suas palavras mas não consigo perceber se, de facto, elas tinham um segundo significado ou se foram ditas de forma repreensiva.
      — Ela disse que a pessoa que eu gosto também gosta de mim, que a minha vida vai mudar depois de um reencontro com alguém que marcou a minha vida e que o desfecho só depende de nós os dois. – as palavras saem a alta velocidade da minha boca, quase como se estivesse a fazer o relato de um jogo de futebol na rádio.
A Diana mantém-se em silêncio e isso incomoda-me. Observo-a de soslaio.
      — Será que ela estava a falar do Diogo?
      — O Diogo?! – a minha estupefação é evidente. Encaro a Diana de frente. – Porquê o Diogo?
      — Porque as histórias mal resolvidas voltam sempre. – as palavras dela são como alfinetadas no meu coração. – Joana, vocês viveram uma amizade especial, não souberem lidar com tudo o que sentiram, afastaram-se sem uma conversa, cada um seguiu a sua vida como se o outro nunca tivesse existido. – A Diana pousa a sua mão direita no meu ombro. – É mais do que óbvio que um dia vocês vão encontrar-se e vão perceber que o tempo não apagou o que tem que ser vivido.
     — Isso é um disparate! – refilo. – A minha história com o Diogo acabou. Eu nem sei onde é que ele está!
    — Deixa estar… - a Diana dá-me três palmadinhas suaves no ombro. – Quando o destino quiser que vocês se reencontrem, ele vai transformar este imenso mundo numa pequena ervilha.
Emudeço. Sem querer acreditar o meu coração já acredita. Será que o reencontro que a cigana previu é com o Diogo? Quando irá acontecer?
Visivelmente assustada, volto a direcionar o meu olhar para a Diana.
     — Há outra coisa que a cigana me disse… - o meu tom é baixo, quase como se não quisesse que o mundo me ouvisse.
     — O quê?! – os olhos cor de mel da Diana imploram-me uma resposta rápida.
Engulo em seco, foco o olhar no horizonte como se precisasse ganhar forças para deixar escapar as palavras que preciso pronunciar.
     — A cigana disse que a minha vida está em risco! – o tom apavorado com que digo cada palavra deixa a Diana cada vez mais expectante.
     — Como assim?!
     — Eu não sei o que ela quis dizer com isso. Ela só me disse que a minha vida está em risco. – respondo, firme.
     — Vês? – a voz exasperada da Diana deixa-me amedrontada. – Tu podes estar doente, Joana! E esse cansaço, a falta de apetite, os desmaios… tudo isso são os sinais! – A Diana desbloqueia o iPhone e marca um número apressadamente. – Acabou! Eu vou ligar para a minha médica e vou marcar uma consulta para ti. – avisa, determinada.
Eu ainda tento recusar mas rapidamente a médica da Diana atende a chamada e a minha voz emudece.  
Será que eu estou doente?
Sacudo a cabeça na esperança de afastar de mim todos os pensamentos. Afundo o meu olhar no horizonte arroxeado que surge ao fundo das enormes planícies alentejanas e volto a concentrar-me no que é realmente importante agora: na estrada.

LIVRO À VENDA

"«Antes de dizer-te adeus» é um livro que nos faz refletir sobre a vida, sobre a importância de vivermos o presente, sobre o poder milagroso do amor e sobre a tão indesejada morte."

"Uma escrita simples e brilhante. Um livro emocionante com uma mensagem clara: não podemos nem devemos deixar a vida e as pessoas para depois."


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Capítulo 2
JOANA
 

A água escura do rio Arade espelha as luzes dos candeeiros espalhados pela rua ribeirinha que une o Museu à ponte velha da cidade. Os ramos das gigantes palmeiras agitam-se com a suave brisa que paira no ar. Inalo este ar quente e deixo-o espalhar-se por todo o meu corpo. A noite está quente, a rua começa a apinhar-se de turistas e, num ápice, parece que me teletransportei para uma cidade que não pertence a país algum, mas sim ao mundo. A mistura de línguas que ouço à minha volta faz-me compreender que, de facto, Portimão é uma cidade portuguesa que no verão é entregue a pessoas estranhas que vêm de todos os cantos do mundo. São tantas as nacionalidades das pessoas que passam por mim que posso jurar que, neste momento, são as gentes de fora que predominam nesta cidade. Reparo nas bancas comerciais que estão alinhadas do início ao fundo da rua. Vende-se de tudo: malas, chapéus, cintos, acessórios, telemóveis e há quem faça térérés.
Focalizo o olhar nas águas calmas do rio enquanto ouço a ecoar pelas colunas de uma das bancas, uma das minhas músicas favoritas do David Carreira. Pelos meus ouvidos entram os versos «Haverá sempre uma música, haverá sempre um filme, uma hora, para me fazer lembrar de ti, para me fazer lembrar assim» e, automaticamente, volto a ouvir as palavras enigmáticas da cigana que me abordou na Avenida dos Aliados. Não consigo perceber o porquê de ter ficado tão mexida com tudo aquilo que me foi dito. A mulher podia ser uma charlatã, uma mentirosa compulsiva que se lembra, de vez em quando, de enganar as pessoas que procuram desesperadamente por respostas que lhes indique o caminho certo a seguir. Mas eu sinto que aquelas palavras foram verdadeiras, que foram ditas com um propósito. A vida, às vezes, vai-nos preparando para o que vem a seguir. É como se ela nos fosse enviando sinais que nos fazem ficar em alerta máximo e que nos impedem de tomar decisões equivocadas ou optar por caminhos que não são aqueles que devemos seguir. Aquela cigana foi posta no meu caminho com um objetivo: avisar-me e preparar-me para as mudanças que vão acontecer. A vida muda de uma hora para a outra e a hora da minha vida mudar está cada vez mais próxima. Mas o que realmente me desestabiliza é tentar adivinhar como e quando tudo vai acontecer.
«Tudo a seu tempo. Tem calma», estas seriam, com certeza, as palavras que a minha mãe me diria neste momento de maior agonia. Fecho os olhos com força, inspiro o ar puro que existe à minha volta e deixo-me serenar por ele.
Quando volto a abrir os olhos e me viro para o fundo da rua, encontro a Diana, com o seu inconfundível sorriso, a acenar-me, feliz. Retribuo-lhe o aceno com um sorriso apagado, quase inexpressivo. Não consigo deixar de observar a Diana e o Igor, que caminham alegres, enquanto mantêm uma conversa aparentemente animada. Consigo perceber que são um casal feliz sem serem ainda um casal. A Diana é apaixonada por ele há algum tempo. Conheceram-se na praia de Matosinhos, num dia em que a maré estava agitada e a Diana quase foi engolida por uma onda. Coube, claro está, ao Igor o papel de nadador salvador que a trouxe sã e salva para terra firme. A partir daquele dia nunca mais perderam o contacto. Falam todos os dias, trocam mensagens de todo o teor, encaixam um no outro na perfeição. O único senão é que ela vive no Porto e ele em Portimão. A distância é o único impeditivo para que a relação deles dê o start.
Já é tão complicado encontrar a pessoa com quem nos sentimos por inteiro, que nos faz sentir em casa. Não devia ser mais fácil a partir daí?
Devia, mas não é.
     — Tome lá o seu cachorro quente, senhora escritora! – a mão da Diana está na minha direção e o cheiro do cachorro quente é delicioso.
     — Hmmm… - babo enquanto seguro o cachorro na minha mão. – Têm ótimo aspeto.
     A Diana e o Igor sentam-se ao meu lado.
     — Tem um bom aspeto e um sabor delicioso. – declara, sorridente, o Igor.
Lanço-lhe um olhar duvidoso que termina num sorriso rasgado.
Eu gosto do Igor. Ele é aquele tipo de pessoa zen, para quem sempre tudo está bem, que se preocupa com os outros, que se dispõe a ajudar quem necessita, que oferece o seu ombro para quem precisa chorar. Além da essência incrível que tem, ele tem uma aparência a quem ninguém fica indiferente. Ele é alto, moreno, dono de um corpo tonificado que é resultado do exercício diário que pratica. Quem passa por ele na rua não consegue desviar o olhar. A Diana costuma dizer que ele é a tentação com pernas e eu sou obrigada a concordar. O Igor é um conjunto de coisas boas que o tornam tentador. Confesso que já dei por mim a olhar para as fotos que ele tem no seu perfil do Instagram e a idolatrar os seus braços musculados e os seus abdominais perfeitamente delineados. O seu porte atlético já vem da sua adolescência, da época em que integrou a equipa de futebol de uma vila vizinha de Portimão. É um desportista nato que vive focado em ter uma vida saudável. Até custa a crer que estou a vê-lo a devorar um cachorro quente.
     — Confesso que estou espantada por ver-te comer, com tanto apetite, um cachorro quente. – o comentário da Diana faz-me gargalhar. Parece que ela leu os meus pensamentos e que os divulgou por mim.
     — Digamos que hoje estou no dia do lixo. – remata.
     — Dia do lixo?! – retruco, confusa.
     — Digamos que hoje é aquele dia em que eu abro uma exceção para comer porcarias que só desalinham os meus níveis sanguíneos. – explica enquanto dá um gole da garrafa de água fresca que trouxe da barraca onde comprou os cachorros quentes.
Eu e a Diana entreolhamo-nos, divertidas.
     — Uma ida ao MacDonald’s, de vez em quando, não faz mal a ninguém. – o tom irónico da Diana faz-me perceber que ela está a tentar obter alguma reação do Igor.
     — Uma vez, de seis em seis meses, para mim está ótimo. – declara, convicto.
Engasgo-me.
     — Só vais ao MacDonald’s duas vezes por ano?! – confesso que o meu espanto é exagerado. Nem todas as pessoas são obrigadas a gostar de fastfood.
     — Olha, posso garantir-te que não vai além disso. – a firmeza na voz dele não me permite duvidar.
     — És de ideias fixas. – avalia, a Diana.
     — Sou. Fui sempre assim. Quando foco em algo é até ao fim. – o iPhone do Igor começa a tocar no bolso e ele prontamente olha para o visor. – Desculpem, é o Diogo. Tenho que atender. – ele afasta-se de nós enquanto eu sinto o meu coração bater acelerado só por ter ouvido o nome Diogo.
     — Quem é o Diogo? – questiono, com a voz trémula, à Diana.
     — É um amigo do Igor. É o dono da loja de surf onde o Igor trabalha.
Percebendo o duplo sentido da minha pergunta, a Diana olha fixamente para mim.
     — Não é o teu Diogo. Não te preocupes. Não será aqui que o vais encontrar. – tranquiliza.
Confesso que as palavras da Diana me sossegam. Há imensos Diogos no mundo. O amigo do Igor é só mais um.
     — Desculpem. – o Igor volta a sentar-se. – O Diogo quer que seja eu a abrir a loja amanhã.
     — Ele é de cá? – questiono, tentando descobrir algo que sossegue o meu coração.
     — Vive aqui há quase oito anos. De onde ele é exatamente não sei. Ele não fala muito da vida dele. Os pais dele vêm aqui de vez em quando. A irmã também.
Os pais e a irmã. O meu Diogo também tem uma irmã.
     — E tu sabes o nome da irmã? – a minha curiosidade é mais forte que o meu desejo de controlar as minhas emoções.
A Diana olha-me intrigada.
     — Saber sei… Só que agora não me estou a recordar. Mas porquê? Achas que o conheces, é?
     — Claro que ela não conhece! – intromete-se a Diana. – É que a Joana é demasiado curiosa. Sabes como são os escritores; acham que podem encontrar uma história em todo o lado.
     — É isso! – afirmo, sem nenhuma firmeza na voz.
É sempre assim. Sempre que ouço o nome dele eu fico paralisada e o meu coração transforma-se num vulcão prestes a entrar em erupção. Eu não consigo entender o domínio que ele tem sobre mim, mas nada que a ele diga respeito me é indiferente. O que eu sinto por ele é um amor sem razão, tão descontrolado como os fogos que se alastram e devoram tudo que surge à sua frente. Passados estes anos todos sem contacto só lamento que o tempo não tenha sido capaz de atenuar este sentimento que permanece intrínseco em mim. Será que existe um amor desta dimensão ou sou eu que vivo alienada do mundo real?
Talvez seja a minha alma de escritora romântica que alimenta este amor por ele ser a fonte de inspiração para todos os livros e textos que escrevo.
Só pode ser isto.  

     Eu percebi o que estavas a tentar descobrir… - a voz da Diana puxa-me para a realidade.
     — Sabes? – não desvio o olhar do céu negro que está iluminado por milhares de estrelas.
     — Não sejas cínica. – atira, fingindo-se zangada.
Continuo sem desviar o olhar do céu e a Diana acaba por sentar-se ao meu lado na varanda com vista para a praia do apartamento que aluguei para estas mini férias.
     — Tu não consegues mesmo esquecê-lo… - analisa, enquanto pousa a sua mão delicadamente na minha perna.
     — Um grande amor muda toda a nossa vida. – as palavras voam da minha boca sem que eu consiga ter a real noção do significado delas.
     — Eu sei. – admite. – Um grande amor vira a nossa vida ao contrário, faz-nos repensar sobre a nossa existência e refletir sobre quem somos, o que queremos ser. A vida não seria nada sem um grande amor.
Percebo, pelas palavras da Diana, que ela não está a falar de mim mas sim dela. Desvio o meu olhar na sua direção. Ela olha-me de soslaio e eu acabo por pegar na sua mão que continua pousada na minha perna.
     — Não estás a falar só de mim, pois não?
A Diana não consegue evitar o suspiro prolongado que responde, claramente, à minha questão.
     — Joana, tu conheces-me. Tu decifras-me por completo. Por isso nem vale a pena manter em segredo tudo aquilo que eu sei que tu já sabes. – acho a introdução bonita e bastante esclarecedora sobre a amizade pura e verdadeira que nos une. – Eu estou apaixonada pelo Igor.
Não evito um sorriso largo. Envolvo a Diana nos meus braços e deposito-lhe um beijo terno na cabeça.
     — Sinto-me frágil, com medo. – sussurra.
A Diana deita a sua cabeça nas minhas pernas estendidas.
     — Medo?
     — Medo de não ser correspondida neste sentimento que está a paralisar-me o cérebro. – o sorriso que esboça perde a força mesmo antes dele crescer.
     — E o que te leva a crer que é um sentimento não correspondido? – faço-lhe festinhas suaves nos cachos do seu longo cabelo preto.
     — Quando nos apaixonamos ficamos sempre com medo, não é? Medo de não sermos correspondidos, de não estar à altura das expectativas da outra pessoa, de não conseguir esquecer o que o coração insiste em recordar. O amor paralisa-nos e isso sempre nos dá medo. O amor deixa-nos vulneráveis, lentos, sem capacidade de reação. 
     — Sabes o que é que eu acho? – a Diana lança-me um olhar interrogativo. – Acho que deves abrir o teu coração e contar ao Igor o que sentes por ele.
     — Mas eu tenho medo da resposta dele. – assume, encolhida nos seus receios.
     — Só vais saber o que deves fazer depois de falares com ele, Diana.
Ela ergue a cabeça das minhas pernas e encara-me de frente.
     — Sinto-me paralisada, Joana. – a voz triste transparece a imensa angústia que mora no seu coração.
     — Tu sempre foste corajosa. Não vais deixar de ser agora, pois não?
     — Não sei. Vou dormir. - responde, amuada.
A Diana beija-me a testa e sai apressadamente para o interior do apartamento. Volto a encarar o céu e a perder o meu olhar na imensidão das estrelas que parecem brilhar para mim. O meu coração bate tão sossegado que até parece que ele não está dentro de mim. O meu pensamento voa de novo até ao Diogo. Sinto saudades dele. As nossas conversas fazem-me falta. A ausência dele é um peso sobre as minhas costas que não me permite viver na plenitude. Penso nas dúvidas da Diana e recordo os olhares cúmplices que a vi trocar com o Igor.
     — Ai o amor… - sussurro para a brisa leve da noite que me aconchega e me empresta um ar tão fresco que é capaz de suavizar qualquer agonia.
O amor tem tanto de forte como de frágil, tanto de certeza como de dúvida. Mas ainda assim, vale a pena. O amor dá-nos o sentido da nossa vida. É o mapa do nosso coração.   


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Capítulo 3
JOANA
 

A água do duche cai morna sobre o meu corpo despido. Acordei cedo. Passei a noite toda às voltas e voltas na cama. Sinto que estou a ser chamada para viver alguma coisa que eu não consigo entender o que é. O meu coração está apertado, uma agonia crescente está a apoderar-se da minha paz. Fecho os olhos e deixo-me apenas ouvir o som da água a correr sobre mim. Em fração de segundos sinto uma paz letárgica à minha volta. Saio do duche, enrolo-me numa toalha e começo por enxaguar o cabelo enquanto me analiso no espelho embaciado. Sinto que os anos não passam por mim e isso torna-se uma realidade difícil de ignorar quando me olho no espelho. A pele branca mantém-se, a suavidade dela também. Os lábios carnudos e pequenos são a minha imagem de marca e os olhos verdes claros escondem muita coisa por trás do seu brilho aparente. Deixo a toalha cair, limpo o vidro embaciado com a toalha, afasto-me do lavabo e aprecio o meu corpo nu refletido no pequeno espelho. Gosto do que vejo. Já não sou mais aquela rapariga gordinha que disfarçava com cintas a barriga que tinha. Agora a minha barriga é lisa e o meu corpo já não me incomoda mais.
Desde cedo percebi que a aparência não é nada diante de uma essência incrivelmente esplendorosa, mas também sei que no mundo em que vivemos a aparência é o grande chamariz. Se tens um corpo escultural e um rosto bonito e bem cuidado, tens o mundo a teus pés. Se, por outro lado, o teu corpo tiver outras formas, gordurinhas e afins, és atirada para canto como um saco de lixo que não tem valor algum.
O mundo é preconceituoso, sim. A maior parte das pessoas luta tanto contra o preconceito que sentem mas, muitas vezes, são as primeiras a avaliar os outros pela aparência do corpo. É incoerente? É. As pessoas que lutam contra o preconceito, deviam ser as primeiras a evitar senti-lo. Mas não é só as pessoas que são incoerentes. A vida também acaba por ser.
Visto uns calções que me ficam acima do joelho e uma simples t-shirt branca que tem uma frase bastante curiosa estampada nas costas: «Encara a vida de frente». Antes de sair do WC, analiso-me novamente no espelho. Saio em direção à pequena cozinha mas antes passo pelo quarto da Diana que continua ferrada no sono.
O relógio pendurado na parede de azulejos brancos da cozinha indica-me as horas. Sete horas da manhã. Preparo um café forte e enquanto como uma tosta integral com geleia de morango, dirijo-me à varanda com vista para o mar. Foco o olhar no imenso areal da praia que parece estar deserta. Na estrada e nas ruas que a minha visão alcança, não se vêem carros nem pessoas. Parece que estou numa cidade fantasma onde não existe vida. O ar fresco da manhã anuncia que é um bom momento para dar a minha corridinha matinal. Bebo o café morno de golada. Uma tontura súbita faz-me encostar, rapidamente, à bancada da cozinha. Tento controlar a respiração e manter-me lúcida. As minhas pernas estão bambas e a minha visão meio desfocada. Estou a ter, outra vez, a sensação terrível de que o chão saiu debaixo dos meus pés.  
     — Tenho mesmo que ir ao médico. – assumo, num murmuro ofegante e quase impercetível.
Inspiro e expiro lentamente até conseguir controlar o pânico que me atinge sempre que me sinto mal. A ideia de poder estar doente assusta-me, deixa-me tolhida. Caminho, sempre encostada à bancada, até ao frigorífico. Abro-o e tiro uma garrafa de água. Não está muito fresca mas ainda assim bebo-a rapidamente. Aos poucos vou recuperando as forças no corpo e assim que me sinto estável, pego nas chaves do apartamento e no meu indispensável iPod. Saio do apartamento e começo a minha corrida matinal pelo passeio da estrada que termina perto do grande areal da praia da Rocha.
Demoro menos de dez minutos a chegar à praia. A praia está mesmo deserta. A cidade parece que ainda não acordou. Caminho lentamente até à beira mar. Uma serenidade inexplicável parece enrolar-me a cada passo que dou em direção às águas calmas do mar. O cheiro do mar invade a minha alma e transmite-lhe um conforto indescritível. Sinto-me agradecida à vida por poder experienciar esta sensação de pureza e bem-estar que há muito tempo não sentia. Até o meu coração, que tem andado tão agitado, parece estar a bater no mesmo ritmo calmo das ondas. Em escassos segundos, todos os meus problemas parecem desaparecer diante deste grandioso mar azul que me emociona e me faz pairar como se fosse uma nuvem leve que caminha livre pela infinitude do céu.   
Por poucos segundos a música que toca nos fones que estão colocados nos meus ouvidos, sobrepõe-se ao barulho das águas do mar. Perco o meu olhar pelo imenso mar que está diante de mim e presto atenção ao refrão da música «A nossa vez» dos Calema. É uma das minhas músicas favoritas e faz parte da playlist do meu novo livro. Sei a letra de cor e tantas são as vezes em que dou por mim a cantá-la. Aproximo-me do mar e deixo as pequenas ondas desenrolarem-se nos meus pés. O sol está cada vez mais alto e os seus raios já refletem no mar. Continuo a caminhar à beira mar, livre de qualquer tipo de pensamento. Sinto-me de cabeça limpa e de coração vazio. O mar parece que me cura e me liberta de toda a carga que vive acumulada dentro de mim. É por isso que não dispenso uma ida ao mar, pelo menos, uma vez por semana. O mar é o ponto de encontro das pessoas com a sua essência. É no mar que me encontro. É no mar que me liberto.
Ando durante minutos e minutos sem me cruzar com ninguém. A praia parece ser só minha até que, ao longe, vejo um homem caminhar, lentamente, na direção contrária à minha. Não presto muita atenção no homem, que tal como eu, deve ter procurado o mar para se encontrar. Volto a focalizar o meu olhar ora nas ondas que se arrastam pelos meus pés ora no extenso mar que me conforta. De repente, o vulcão adormecido no meu coração começa a ganhar vida outra vez. Volto a sentir-me zonza, tonta, fora do controlo. A minha respiração fica inconstante e até as ondas do mar ganham força. Desvio o olhar para o homem que caminha na minha direção. Reconheço-lhe alguns traços mas a minha visão desfocada não me permite identificá-lo. As minhas pernas aumentam o ritmo dos passos e o meu coração sobe até à minha garganta. Dentro da minha cabeça voltam a ecoar as palavras proferidas pela cigana. A frase «Um reencontro está prestes a acontecer» repete-se incontáveis vezes dentro de mim. Sinto-me sufocada, quase sem ar. O que estará a acontecer comigo? O que se passa?
O mundo silencia-se quando os meus olhos se encontram com os olhos cor de avelã do homem que segue na direção oposta. Durante segundos, minutos ou horas, não sei precisar, perco-me naqueles olhos imensos que penetram a minha alma e me distanciam do mundo. As lágrimas rolam pelo meu rosto tão livres quanto as ondas do mar que se desenrolam nos meus pés. Deixo de ouvir as ondas do mar, a brisa e o chilrear dos pássaros. Tudo fica em silêncio. Só consigo ouvir a cigana dizer-me: «O reencontro aconteceu».
Dez anos depois, diante de mim, está o Diogo. O meu Diogo. O grande amor da minha vida. A única pessoa com quem me sinto em casa. Diante de mim está o meu destino.
Os nossos corpos estáticos não se desviam nem um milímetro. Os nossos olhares não se desgrudam nem por um segundo. Por que razão, neste momento, eu tenho a absoluta certeza de que a minha vida tem andado na direção errada?


Capítulo 4
DIOGO
 

Por que é que eu sinto que a minha vida está na direção errada?
São estas as palavras que pairam na minha cabeça enquanto os meus olhos se perdem na profundeza do olhar da Joana. Há tantos anos que não a via mas ela continua exatamente igual. A pele branca, o rosto limpo, o olhar penetrante e intenso que sempre me deixou enfeitiçado. Ela foi um marco na minha vida. Na verdade, eu divido a minha vida em duas fases; antes da Joana e depois da Joana.
Ela marcou-me profundamente e despertou dentro de mim sentimentos incontroláveis que durante largos anos me deixaram sem saber como lidar com eles. A nossa amizade terminou por causa da minha dificuldade em lidar com o amor que sentia por ela. Passado este tempo todo, chego à conclusão que o nosso maior problema foi ter-me apaixonado por ela quando dentro de mim vive um preconceito gigante que me faz acreditar que esse sentimento é nojento e vergonhoso. Eu não podia namorar com alguém que os meus amigos jamais aceitariam. Eu não podia construir uma vida ao lado de uma rapariga que a minha família não iria aceitar. Mas como negar isso diante dela? Ela. A única pessoa por quem eu quis realmente mudar, com quem eu quis realmente ficar. Ela. A única pessoa que o meu coração foi capaz de amar. Ela. A única pessoa com quem me abri, a quem mostrei uma parte de mim que todo o resto do mundo desconhece por completo.
O meu olhar continua preso ao dela. Nada mudou. Diante dela eu fico frágil, transformo-me em tudo aquilo que não quero nem posso ser. Percebo que os meus olhos estão humedecidos. Uma vontade incontrolável de lhe dizer o que guardo no meu coração apodera-se de mim. Foram tantas as vezes em que tentei declarar-me, que tentei dizer o que sentia, mas o preconceito, o medo, a vergonha, silenciavam-me por completo.
A minha voz quer soletrar um «Olá» mas eu estou totalmente paralisado. Não estava à espera de reencontrá-la e ainda sentir tudo isto, tantos anos depois. O tempo passou, mudou tanta coisa na minha vida, mas agora percebo que o amor que evitei de todas as formas continua vivo e incólume dentro do meu coração.
Faço um esforço imenso para voltar à razão. E volto. E assim que desperto do transe, desvio-me da Joana sem lhe dizer uma única palavra. Arrependo-me nos primeiros passos que dou pelas suas costas. Mas é assim que tem que ser; ela na vida dela e eu na minha.


Abro os caixotes que trazem as bermudas da nova coleção e começo a colocá-las nos expositores da minha loja. Arrumar a roupa sempre foi uma boa maneira para limpar da cabeça pensamentos indesejados. Pelas colunas penduradas nas paredes da loja, ouve-se «O Sol» do Vitor Kley. Gosto da boa vibe da melodia e a letra distancia-me dos sentimentos que fazem o meu coração apertar-se. Sinto-me cobarde por ter desperdiçado a oportunidade que a vida me deu de me reaproximar da única pessoa que amei verdadeiramente. Mas eu escolhi ficar com a minha vida, a mesma que me obrigo a viver desde que deixei que a Joana saísse dela. Essa vida que eu escolhi é ao lado de uma única pessoa: a Nanda. A minha namorada de anos, que não sabe, nem desconfia, da existência da Joana. Nunca lhe contei. Nunca achei relevante. Ou, talvez, não falar da Joana a ninguém seja a forma mais fácil que encontrei para nunca me lembrar dela.
Seria mentira se dissesse que, às vezes, muitas vezes, penso nela. Tenho curiosidade em saber onde ela está, como vai a sua vida, quais são os sonhos que já realizou e aqueles que ainda lhe falta realizar. Mas como, desde cedo, me convenci de que o nosso amor só podia ser errado, esforço-me para não pensar nela. Obrigo-me a lutar contra mim próprio e contra tudo aquilo que o meu coração nunca silencia. Um amor verdadeiro faz muito barulho no nosso coração. Porque ele não se cala, nunca se cala. Mesmo quando a nossa vontade é silenciá-lo, expulsá-lo de dentro de nós, espezinhá-lo e fingir que ele nunca existiu. A vida nunca permite que o que temos para viver passe. Podemos fugir das coisas durante um certo tempo mas depois, sem mais nem menos, elas voltam. Eu fugi da Joana, do amor, e hoje vi-me de frente com tudo isso outra vez. E percebi que ainda gosto daquela miúda sensível, humilde e sonhadora, profundamente romântica, que acreditava em finais felizes e nas promessas que lhe fiz sem nunca ter conseguido cumprir nenhuma. E tenho saudades da amizade que tínhamos.
Não posso negar que ela sempre foi minha amiga. Uma amiga de verdade que sempre fez tudo o que estava ao seu alcance por mim. Nunca me deixou sentir sozinho, fez dos meus problemas os seus, esteve sempre ao meu lado em todas as vezes que lhe pedi ajuda. Apesar das mágoas, das mentiras, das deceções, ela esteve firme num cais que a deixou partir. E esse cais sou eu. Eu deixei-a partir porque, egoísta ao extremo, só pensei em mim. Como sempre.
Lembro-me que uma das últimas mensagens que recebi da Joana dizia que nós sempre vivemos das minhas vontades, daquilo que eu queria ou não, e que ela, por gostar tanto de mim, acatava sem contestar. Hoje percebo o quão egoísta fui com uma pessoa que deu tudo o que tinha e não tinha por mim. A Joana depositou em mim todos os seus sonhos, todo o seu futuro, todo o amor que lhe corre nas veias, todo o sentimento que toca nas cordas do seu coração. Eu nunca soube, nem quis, retribuir.
Às vezes acho que não sou merecedor da vida que tenho, das coisas que conquistei. Quando penso no mal que causei à Joana, percebo que a minha vida está construída em cima de um passado que revela que eu não sou tão perfeito como pareço.
E, talvez, por saber de tudo isso, o esconda de toda a gente. O meu passado esconde tudo, principalmente quem sou e os erros que cometi e que feriram muito a Joana.
E é esse mesmo passado que me diz que o amor estraga tudo, principalmente amizades que tinham tudo para serem eternas.


Capítulo 5
JOANA
 

   Não sei há quanto tempo estou prostrada a olhar para a parede branca da sala de estar do apartamento. Desde que cheguei da praia que estou aqui sentada no sofá, de joelhos cruzados, a olhar para o nada mas a pensar em tudo.
   Nos meus ouvidos ecoam os versos da música «Dante’s Prayer» da cantora canadense Loreena McKennitt.
   «Please remember me» são as únicas palavras da música que me fazem sentido. É como se a letra se diluísse na minha alma e as palavras que saem da voz da cantora fossem as minhas palavras, aquelas que devia ter gritado na praia quando encontrei o Diogo, mas que contive e deixei fechadas no peito que agora está numa erupção de dor e sofrimento que não sei como parar.
   Durante tantos anos imaginei como seria reencontrá-lo. Sonhei tantas vezes com esse reencontro. Achei que iríamos olhar um para o outro e entregar-nos a um beijo intenso que compensaria todos os anos de ausência e que faria desaparecer todas as lágrimas derramadas e todas as noites que passei em claro.
   Pura estupidez! Mais uma vez, para não variar, a distância entre os meus sonhos e a realidade foi abismal. E agora estou a sentir-me a mais estúpida das mulheres, a mais parva e burra à face da terra.
   Pela minha visão lateral vejo a Diana aproximar-se. Caminha leve como uma pena.
   — Está tudo bem, Joana?
   Suspiro e mantenho-me calada. Os olhos ardem-me com intensidade. Quando dou por mim, mesmo não querendo, começo a chorar.
   — O que se passa, Joana? Estás a sentir-te mal?
   Não lhe consigo responder. Só consigo soluçar, encolhida na minha dor.
   A Diana ajoelha-se à minha frente, segura nas minhas mãos trémulas. Focaliza os seus olhos nos meus.
   — Joana, fala comigo! O que é que tu tens? O que te deixou neste estado?
    Ergo os meus olhos cobertos de lágrimas. Suspiro fundo e tento procurar a calma que me falta. Aos poucos vou conseguindo recuperar a respiração. Ainda meia atordoada e com a voz trémula, respondo.
    — Encontrei o Diogo.
    Por momentos a Diana fica sem reação.
   — O Diogo?!
Com os punhos limpo as lágrimas que caem descontroladas pelo meu rosto.
   — Sim, o Diogo. Encontrei-o quando fui caminhar na praia.
   A Diana senta-se no chão, à minha frente.
   — Falaram?
   — Não. Ele simplesmente passou por mim e fingiu que não me conhecia! — volto a cair num choro profundo causado pela dor contundente que está a deixar o meu coração sangrar. — Eu não queria chorar, Diana. Eu não queria estar a sentir-me assim, eu juro. Mas é mais forte do que eu. Estou a chorar de raiva, sabes? Raiva por estar assim! Raiva por perceber que estes anos não foram capazes de dissipar o meu amor por ele. Raiva por continuar a amá-lo com toda esta intensidade. Raiva por ser tão estúpida! Tão burra!
   — Eu acho que devias procurá-lo, sabes? Dizer-lhe de viva voz a dor que ele te infligiu. Ele devia saber, por ti, a dor que te causou.
   — Eu só quero esquecê-lo. Mas eu não sei como! Já fiz promessas, já me afastei de tudo o que estava relacionado a ele, não o procuro nas redes sociais, não vejo as fotos dele, não leio as nossas mensagens antigas… Mas nada resulta. Nada funciona. Estou a ficar desesperada!
   — Eu acho que o amor que sentes por ele se transformou num hábito essencial para ti. É por causa desse amor que tu escreves, é a esse amor que vais buscar inspiração para as tuas histórias. Não é à toa que os teus leitores dizem que a tua escrita é real. Nos teus romances há muito dos teus sentimentos, há muito de ti.
    Sou obrigada a concordar com a Diana.
    — Eu não queria que fosse assim. Se dependesse apenas da minha vontade, do meu querer, o Diogo já era uma página arrancada da minha história. Mesmo não querendo, penso nele todos os dias. Eu luto tanto, tanto, mas é mais forte do que eu. Eu simplesmente não consigo esquecer!
    A Diana levanta-se do chão, senta-se ao meu lado e leva a minha cabeça até ao seu ombro. Acaricia-me o cabelo e diz-me que tudo ficará bem. A amizade da Diana é uma das melhores coisas da minha vida. Ela é a amiga que não me julga, que compreende as minhas falhas, que me aceita como eu sou.
    — Tinha combinado sair com o Igor… mas acho que vou cancelar.
    Levanto a minha cabeça do seu ombro e encaro-a.
    — Nem penses! Tu vais sair com ele! — contesto.
    — Não vou deixar-te aqui neste estado!
   — Eu fico bem! — limpo as lágrimas que estão amontoadas nos meus olhos e lanço-lhe um sorriso largo. — São tantos anos disto que já me habituei a esvaziar a tristeza e a voltar ao normal num ápice! — ironizo.
   — Que espécie de amiga seria eu se te deixasse aqui assim?
   — Vai, Diana! Eu fico bem. Vou aproveitar esta tristeza para escrever. Estava travada, sem conseguir escrever o final do meu novo livro. Mas olha, agora estou inspiradíssima!
    — Vais escrever o final do livro nesse estado? Pronto, lá vem um final triste a caminho!
    — Na vida real são mais os finais tristes do que os felizes. Não posso convencer os meus leitores de que a vida é um conto de fadas com final feliz. Porque isso não existe. Pelo menos na minha vida não existe.
    — Posso dar-te uma dica?
    — Dás-me a dica e depois vais à tua vida, pode ser? — gargalho.
    — Escreve um final feliz. Imagina o final feliz que tu gostarias de ter e usa-lo para o final desse livro. Os teus leitores precisam de boas doses de realidade mas também precisam de encontrar nas tuas histórias motivos para sonhar! As pessoas lêem para sonhar, para espairecer, para encontrarem nas páginas de um livro um sentido para as suas próprias histórias.
    — Eu não consigo escrever finais felizes.
    — Pode ser que a vida te brinde com um e passes a escrevê-los.
    Sorrio.
    — Sabes quem é que eu acho que pode ter um final feliz? Tu e o Igor. E acho que já estás atrasada para o vosso encontro.
     Entre risos a Diana questiona:
     — Estás a despachar-me, é isso?
     — Não, claro que não! Eu só não quero que percas a tua oportunidade. Tu e o Igor encaixam. Podem dar certo. Eu sei que estás relutante, que não te sentes segura… mas dá para ver que o Igor gosta de ti. A forma como ele te olha diz tudo.
     — E como é que ele me olha?
     — Como se não existisse mais nada no mundo para ele. É assim que ele te olha.
      — Que tirada romântica! — goza. — Só te estás a esquecer que temos praticamente 700 quilómetros a separar-nos. Eu acho que é melhor não investir numa história que desde o princípio está condenada ao fracasso.
      — E ainda queres que eu escreva finais felizes se nem tu acreditas neles!
      — Eu acredito. Mas…
     — Mas nada. As pessoas não sabem a sorte que têm quando lhes é dada a oportunidade de viver um amor possível. E a distância é um pormenor. Tu podes muito bem mudar-te para aqui. Nada te prende em Matosinhos.
     — Eu vou indo, então. Vou à procura do meu final feliz! — ri. — Se precisares de alguma coisa, é só ligares!
     Damos um abraço forte, tão apertado que lhe consigo sentir os batimentos cardíacos.
     Assim que vejo a Diana fechar a porta de entrada, dirijo-me para a mesa de plástico que está na varanda. Vislumbro o mar. Sento-me e abro o computador. Releio as últimas páginas que escrevi. Ainda estou indecisa com o final da minha história. Por um lado, quero que a minha protagonista viva o seu amor impossível. Mas por outro sei que, na vida real, nem sempre conseguimos tornar possíveis os amores impossíveis. Infelizmente, no amor estaremos sempre dependentes da vontade e do querer de outra pessoa.
    Entro no YouTube e coloco a música «If You’re Not The One» a tocar. Ouço-a há muitos anos, principalmente quando preciso encontrar inspiração para escrever. A letra da música é intemporal. Não há ninguém que já tenha amado e sofrido um grande desgosto que não tenha se identificado com os versos desta música. Sempre que a ouço, imagino-me a cantá-la para o Diogo. Sinto a música como se fosse minha. Como se tivesse sido eu a escrever a letra porque me sinto exatamente assim.
    «Se eu não preciso de ti por que estou a chorar na minha cama? Se eu não preciso de ti por que o teu nome faz eco na minha cabeça? Se tu não és para mim por que esta distância destrói a minha vida? Se tu não és para mim por que eu sonho que tu és minha?»
    Enquanto a voz do Daniel Bedingfield me embala, vou escrevendo e apagando o final que procuro e não encontro. Sinto-me totalmente vazia, como se o meu peito tivesse sido trocado por um deserto infinito.
    «Porque eu sinto tanto a tua falta, de corpo e alma, que até fico sem ar. Eu trago-te no meu coração e rezo todos os dias para ter força para aguentar. Porque eu amo-te. Seja certo ou errado. E apesar de não poder estar contigo esta noite, tu sabes que o meu coração está ao teu lado.»
    Sem conseguir escrever, desligo o Word.
    Continuo a ouvir a música.
  Neste momento é ela a única voz do meu coração.  
  «Se eu não fui feito para ti por que o meu coração diz que fui? Existe alguma forma de ficar nos teus braços?»
    Existirá alguma forma de ficar nos teus braços, Diogo?
    Ou melhor: existirá alguma forma de te apagar do meu coração?
    É triste e doloroso amar alguém que nos leva a viver neste impasse sem saber se devemos lutar ou esquecer, insistir ou desistir, esperar ou deixar ir.
   Mas também é terrível passar os dias a tentar esquecer alguém que insiste em fazer do nosso coração a sua morada principal. Porque para se esquecer alguém não é preciso só ter vontade; é preciso que a vida assim o permita também.
   Da mesma forma que não escolhemos quando nos apaixonamos também não escolhemos quando esquecemos.
    É uma realidade cruel. Principalmente para quem é obrigado a conviver com ela. Como eu.


Capítulo 6
JOANA


   Passam poucos minutos das nove da noite. A praia está deserta mas ainda se vêem pisadas marcadas na areia. Observo as ondas do mar enquanto a brisa me refresca o corpo. A Diana está agarrada ao telemóvel há mais de dez minutos. Estamos à espera do Igor que nos convidou para um jantar no melhor restaurante de praia que serve, também, a melhor sangria de vinho branco.
   A noite está bastante aprazível e o aroma fresco da maresia parece purificar-me.
   — Desculpa, Joana! O Igor está atrasado, diz que chega em cinco minutos… e traz companhia! Espero que não te importes.
   — Companhia? — questiono, desagradada. — Quem?
   — É o Diogo, o dono da loja de surf. — Percebendo a minha aflição, a Diana conclui: — Está descansada que o teu Diogo não é o Diogo dono da loja.
   — Como é que sabes? Nunca o viste! Olha, a sério, a minha vontade é desistir deste jantar e ir para o apartamento!
   — Joana, calma, ok? E se fôssemos entrando, pedíamos uma sangria e conversávamos um pouco? — com os olhos a reluzir de felicidade, conclui: —   Tenho uma novidade para te contar.
   — Que novidade? — indago, curiosa.
   — Vamos entrar! Eu prometo que te conto tudo!
   A Diana puxa-me pelo braço e entramos na esplanada do restaurante da praia. Gosto das luzes que iluminam o espaço, parecem estrelas penduradas no céu. A esplanada está lotada de turistas. Ouço várias conversas em diversos idiomas. Sentamo-nos na única mesa vaga que foi reservada pelo Igor. Reparo que estão quatro pratos na mesa.
   — Isto foi tudo combinado, não foi? — pergunto, já visivelmente irritada.
   A Diana olha-me sem entender.
   — Estão quatro lugares na mesa, Diana!
   — Não tem nada que ver, Joana! Jamais te colocaria numa situação dessas. O Igor disse-me que convidou esse amigo porque ele e a namorada tiveram uma discussão. Resolveu convidá-lo para jantar para o ajudar a espairecer. Foi só isso! Não faças filmes.
   — Hum…  — respondo, não muito convencida.
   — Boa-noite! Já sabem o que vão desejar?
   Fico estática a olhar para o empregado de mesa. Os seus olhos verdes, os lábios carnudos, o corpo visivelmente atlético e a pele totalmente bronzeada não me são indiferentes. Pelo sotaque é brasileiro.
   — Nós ainda estamos à espera de dois amigos. Mas queremos dois copos de sangria de vinho branco, se faz favor.
   Fixo os meus olhos na placa que identifica o empregado de mesa. Maycon Alves, é o seu nome.
   Ele fita-me, sério.
   — A menina está bem?
   — Desculpe?  — respondo, atrapalhada. Fui pega.
   — Não me ache intrometido… mas como você estava aí me encarando, fixa, julguei que estivesse passando mal.
   A Diana cobre os seus lábios para se rir da situação constrangedora.
   — Ah, não… eu estava só a olhar. Por olhar! Nada mais!
   — Tudo bem, ainda bem então que você está bem. Vou buscar as bebidas!
    Assim que o Maycon se afasta, a Diana atira:
   — Não foste nada discreta, Joana! O pobre rapaz percebeu que lhe estavas a tirar as medidas! Mas eu compreendo; ele é podre de bom!
   — Não sejas parva! — rio.
   — Vais dizer-me que não lhe saltavas para cima? Eu se fosse a ti aproveitava. Não é todos os dias que se encontra um gajo destes!
   — Para de provocar! Até parece que não me conheces! Sabes bem que não vou para a cama com qualquer um…
   — Joana, essa coisa de só fazermos amor com o nosso príncipe encantado já passou à história! A vida é para aproveitar! E sexo casual, sem compromisso, também é bastante prazeroso e saudável!
   Confesso que o tema da conversa me deixa um pouco incomodada.
   — Mudando de assunto… qual era a novidade que tens para me contar?
   — Eu e o Igor beijámo-nos. Não resistimos mais e acabámos nos braços um do outro. Não namoramos… combinámos que iríamos com calma para ver no que tudo isto pode dar.
   — Vocês gostam um do outro, isso é nítido como água. Tenho a certeza que vão acabar por ficar juntos.
    O Maycon aproxima-se com a bandeja na mão. Coloca os copos de sangria na mesa.
   — Aqui estão as bebidas!
   Sinto-me com calor. Comprimo as pernas uma na outra. Um desejo indomável de agarrar o empregado de mesa cresce nas minhas entranhas. A falta de sexo pode levar uma pessoa à loucura. Respiro fundo tentando a todo o custo conter-me.
  — Estás bem, Joana?
  Sem tirar os olhos do peito musculado do Maycon, respondo:
  — Estou com calor! Muito calor! Nossa… — fito o Maycon. — Têm leques?
   A Diana dá uma gargalha bem sonora. Ela percebeu o que se está a passar comigo. Fito-a de relance, constrangida.
  — Eu posso ver se tem.
  — Ficaria muito agradecida! Eu estou mesmo a precisar de um leque, de uma ventoinha, de qualquer coisa que me refresque!
   O Maycon afasta-se.
  — Isto não é nada teu! O que te está a dar? Pareces uma desesperada! — a Diana não consegue parar de rir.
  — Isto só pode ser as hormonas! Anda tudo descontrolado dentro de mim. É o coração, é a cabeça… olha, é tudo!
   Os risos da Diana terminam quando ela fixa os olhos na entrada principal do restaurante.
   O Igor chega, ofegante.
  — Boa-noite, meninas. Desculpem-me o atraso. Mas trouxe o meu amigo comigo!
   Quando me viro para o cumprimentar deparo-me com o olhar intenso e inesquecível do Diogo. O meu Diogo.
   Por longos segundos, instala-se um clima pesado sobre nós. O silêncio é quebrado pela minha voz.
   — Diogo!
   — Joana!
   Uma súbita taquicardia leva o meu coração a bater num ritmo frenético. As minhas pernas ficam bambas. Tudo à minha volta parece girar. Sento-me. Dou um gole na sangria de vinho branco.
   — Vocês conhecem-se? — pergunta o Igor.
   Antes que tenha tempo de responder, o Diogo fá-lo por mim.
   — Mais ou menos. Andámos juntos na escola. Somos apenas ex-colegas de turma.
   Os olhos ardem-me. Sinto uma vontade enorme de chorar. Então é só isso que eu sou para ele: uma ex-colega de turma sem significado nenhum. Mais uma vez, volto a sentir-me a maior estúpida, parva e burra à face da Terra.  
   Antes mesmo do Igor e do Diogo se sentarem, levanto-me e saio a correr do restaurante. Ainda ouço a Diana chamar por mim mas nada me faz parar de correr. Ainda esbarro no Maycon, que me pede desculpa por ter chocado contra mim. Tudo evaporou: o meu súbito desejo ardente pelo Maycon, a minha respiração, a taquicardia, as pernas bambas e as lágrimas que começaram a deslizar no meu rosto.
Não consigo sentir rigorosamente nada. Só quero desaparecer daqui.  

                                               

   As ondas desenrolam-se nos meus pés como se os acariciassem e, de certa forma, me pedissem para manter a calma. O meu coração parece um vulcão descontrolado que dispara lava nas minhas veias. O sangue ferve dentro de mim. A raiva circula pelo meu corpo como se fosse uma via verde. O Diogo caminha atrás de mim e insistentemente pede-me para parar de caminhar. Peço-lhe que me deixe em paz mas ele não acata as minhas ordens e acaba por me alcançar.
   — Sai da frente, Diogo! — ordeno.
   O Diogo finge não me ouvir e mantém-se parado à minha frente, a segurar-me os braços, impedindo-me se prosseguir.
   — O que se passa contigo? Por que saíste daquela maneira do restaurante?
   — Não estou a sentir-me bem! É só isso! Eu tenho que ir para casa!
    Tento seguir caminho, mas o Diogo retém-me.
    — Espera! Eu posso ajudar-te em alguma coisa?
    Não consigo evitar uma gargalhada sarcástica.
    — E desde quando é que te preocupas comigo, Diogo? Desde quando é que tu te importas se eu preciso de alguma coisa? Desde quando é que te importa o que acontece comigo ou o que é que eu sinto? — fulmino-o com o olhar. — Nunca te importou!
    — Se isso fosse verdade, não tinha vindo atrás de ti! E nem estaria aqui agora a tentar perceber por que tiveste aquela atitude no restaurante!
    — Porque eu estou cansada que me diminuas… que diminuas o que eu sinto! — encaro-o com os olhos a arder de raiva. — Com que então eu sou apenas uma ex-colega de turma?
    O Diogo encolhe os ombros e questiona:
    — Querias que eu dissesse o quê? Que és uma ex-amiga?
   — Não! Porque nem meu amigo tu foste! — disparo. — Se pelo menos tivesses sido meu amigo, a dor que me causaste, a mágoa, teria sido bem menor! Porque os amigos cuidam uns dos outros, protegem-se. Não se magoam. Tu nem meu amigo foste!
    — Sinceramente, não estou a compreender a tua conversa!
    — Claro que não! Tu nunca percebes nada! Mesmo quando as coisas estão diante dos teus olhos, tu nunca entendes! Ou finges que não entendes, já nem sei!
    O Diogo fita o céu e dá um longo suspiro antes de prosseguir.
    — Joana, eu não sei porque estás assim. Sei que, talvez, no passado tenha feito coisas erradas que te tenham magoado… mas já passaram dez anos!
     — Não, não passaram dez anos! Quando olho para ti é como se tudo tivesse acontecido ontem! Sabes por que não entendes a minha reação nem percebes por que estou assim? Porque tu nunca sentiste o que eu senti, porque a minha dor não é a tua, porque o meu sofrimento nunca foi teu, porque não foste tu quem passou noites inteiras a chorar, não foste tu que passaste dias inteiros sem saber o que fazer com a tua vida! — com o dedo em riste, apontado ao seu rosto, continuo a disparar sobre ele toda a raiva acumulada. — Fizeste planos comigo e atiraste-los pela janela sem sequer te importares com o que eu sentia! Fizeste-me promessas, juraste-me coisas, que nunca cumpriste! E foste à tua vida, foste embora, como se isso não tivesse importância nenhuma! Tu ages como se fosses um bom moço, mas de bom moço tu não tens nada! Tu não és o bom moço, tu não és a boa pessoa que queres fazer crer que és! E sabes porquê? Porque uma boa pessoa, não mente. Não usa os sentimentos dos outros. Não magoa propositadamente. Foi isso que tu fizeste! Tu magoaste-me de propósito! Se fosses boa pessoa não me tinhas prometido amor para a vida toda sem a intenção de o cumprir!
   — Eu não sabia que isto ainda te afetava tanto…
   — Não sei se sabes mas eu tornei-me escritora.
   — Eu ouvi falar…
   — Já leste algum livro meu?
   — Não. Porquê?
   — Se tivesses lido algum dos meus livros, ias perceber que fazes parte da minha vida… que fazes parte de todas as minhas histórias. — cravo os meus olhos nos dele. — Que tu és as minhas histórias! Passaram dez anos e eu continuo a amar-te. Da mesma maneira. E quando tu me apresentaste como sendo apenas uma ex-colega de turma, senti-me ridícula. — os meus olhos são rapidamente invadidos por lágrimas que demonstram o quanto me dói tudo isto. — Eu sinto-me ridícula por continuar a amar uma pessoa que me vê como uma ex-colega de turma! Só que nós não partilhámos só a escola, Diogo! Nós partilhámos tantas outras coisas! Eu estou saturada de ser ridícula. Estou saturada de não conseguir esquecer-te. Estou saturada de pensar em ti todos os dias. Estou saturada de estar à tua espera. Eu estou saturada! E o pior de tudo é que não sei como sair disto! Não sei o que fazer para te esquecer. Se dependesse apenas da minha vontade, o meu coração já estava de volta ao meu peito e não andava aí, colado às tuas costas, a implorar por uma oportunidade.
   O Diogo encosta as palmas das suas mãos nas minhas bochechas. Delicadamente, enxagua as lágrimas que teimam em rolar pelo meu rosto.
   — Às vezes as coisas não são como nós pensamos. Sei que as minhas atitudes dúbias, ambíguas, te levaram a pensar assim. Mas acredita que eu tive os meus motivos para me afastar. Naquela altura eu andava a curtir com a Soraia, não era nada sério, eram só encontros casuais, mas ela acabou por engravidar e os meus pais quiseram obrigar-me a casar com ela… isso quase aconteceu. Entretanto, ela sofreu um aborto. Nós separámo-nos e eu vim para aqui. Nunca mais te procurei, nunca mais te disse nada, porque não tinha o direito de aparecer na tua vida e pedir-te uma nova oportunidade. Já me tinhas dado tantas! Sei lá, às vezes por medo deixamos de procurar as pessoas, de lhes pedir desculpa, de lhes pedir uma nova oportunidade. Às vezes, erradamente ou não, convencemo-nos de que as outras pessoas desistiram de nós e que não vale a pena andarmos atrás delas e tentar provar-lhes que mudámos.
   — E o facto dos teus amigos de escola não gostarem de mim e de me chamarem baleia e popota não interferiu nas tuas decisões?
   O Diogo baixa a cabeça, envergonhado.
   — Talvez tenha contribuído. — assume. — Hoje sei que fui um rapaz preso à opinião dos outros e que por isso deixou de viver o que sentia. Arrependo-me. Mas sei que não posso mudar nada.
   Ser vítima de um preconceito tão estúpido é duro. Mas mais duras foram as consequências.
   — Eu era capaz de qualquer coisa por ti, Diogo! Porque quando olhava para ti, via tudo o que mais queria na vida. Podiam oferecer-me o Euromilhões, uma mansão com piscina, carros topo de gama, podiam oferecer-me o mundo que eu jamais te deixaria para trás. Para mim, tu eras o maior tesouro que podia ter. Tu bastavas-me. Só lamento que eu nunca tenha sido o suficiente para ti.
   Desvio os meus olhos do olhar penetrante do Diogo. Tento ir embora mas ele segura-me pelo braço. Com dois dedos, levanta-me o queixo. O seu olhar afunda-se no meu e a sua respiração ofegante fica cada vez mais próxima de mim. Suavemente, os seus lábios colam-se nos meus. Iniciamos um beijo longo onde cabem todos os pedidos de desculpas, todas as promessas quebradas, todos os anos de separação, todos os planos destruídos, todo o tempo perdido. O som das ondas suaves que desaguam nos nossos pés, são a melhor banda sonora para este momento. Sem desgrudar os seus lábios dos meus, o Diogo empurra-me contra o seu peito, beijando-me com maior intensidade. Sinto os nossos corações baterem num ritmo sincopado, como se as cordas deles fossem tocadas da mesma forma, no mesmo ritmo, com a mesma energia. Volto a sentir-me plena, realizada, cheia de vida. Por momentos esqueço as lágrimas, a dor, a tristeza, a angústia, a saudade, e todos os sentimentos negativos que senti por causa do Diogo. Ao lado dele só consigo sentir amor e a sensação de que o mundo inteiro deixa de existir. Nada mais me interessa quando estou nos braços dele. Nada mais tem importância. Nada mais tem mais valor. Eu gosto da sensação de plenitude que sinto quando estamos os dois, mergulhados num Universo só nosso, alienados do mundo e das pessoas que podem separar-nos. Se pudesse congelar-nos neste beijo e fazer-nos ficar assim para sempre, juro que o fazia.
   O Diogo descola os seus lábios dos meus, encosta a sua testa na minha e diz:
   — Eu sei que te magoei, que te devo milhões de pedidos de desculpa… Sei que nada apaga a dor que te causei. Mas quero que saibas que sempre foste importante para mim e que pensei em ti muitas vezes durante todos estes anos. És capaz de perdoar este homem sem noção, que só soube fazer merda, mas que está disponível para recomeçar?
   — Tu não tens uma namorada? — questiono-o, esboçando um meio sorriso.
   — Tinha. Acabámos hoje. Parece que o destino já estava a compor as coisas para nos facilitar a vida. Quando nos encontrámos na praia, eu percebi que não adianta fugir do nosso destino. Nem negá-lo. Não foi um acaso, estarmos os dois àquela hora, no mesmo lugar. Nem foi por acaso que nos encontramos aqui, quando o mundo todo é tão grande. É o destino. Por mais que achemos que mandamos na nossa vida, que somos nós que tomamos todas as decisões, nunca nos podemos esquecer do fator destino que pode mudar tudo a qualquer momento.
   — A minha avó dizia que quem manda na vida é a vida. E que o destino sempre nos espera no mesmo lugar.
   — Nós somos o destino um do outro.
   Não consigo conter as lágrimas. Mas desta vez, choro feliz.
   — Ainda não me disseste se me perdoas…
   — Não existe lugar para o amor no coração das pessoas que não sabem perdoar. Eu perdoo-te. E também estou disposta a recomeçar tudo. Estou disposta a tentar outra vez. Porque acredito que tu vales a pena. Acredito que o nosso amor vale a pena. Acredito que nós os dois valemos a pena.
    Os nossos lábios voltam a unir-se como se selassem o acordo do recomeço. Não sei o que nos reserva o futuro. Mas, na verdade, ninguém sabe. A vida é um mistério insondável que se vai decifrando aos poucos. Talvez o melhor que tenha a fazer é viver o momento, o agora. Não voltarei a depositar no futuro as promessas, os sonhos e os planos. Quero apenas viver o agora com o Diogo e torcer para que o agora se prolongue por todas as vidas que nos restem viver.
   Há dias que terminam de forma totalmente inesperada. O meu dia não foi bom mas terminou da melhor maneira possível. Às vezes a vida tem destas surpresas. Temos que saber aproveitá-las e, também, agarrá-las como se fossem a única oportunidade.  
   Uno o meu peito ao do Diogo. Quero voltar a sentir o seu coração bater perto do meu. Quero senti-lo e amá-lo até quando a vida o quiser.
   — Estivemos tantos anos separados por uma estupidez. Era só termos conversado. Bastava só termos dito o que sentíamos sem meias palavras nem joguinhos. Bastava termos confiado no amor que sentíamos e termo-nos deixado guiar por ele.
   Sem saber porquê começo a sentir um zumbido irritante no ouvido. E, sem mais nem menos, a dor de cabeça que me tem acompanhado nas últimas semanas regressa. Fecho os olhos para tentar apaziguá-la mas não consigo. O chão parece fugir e tudo à minha volta começa a girar. Seguro-me no corpo no Diogo. Peço-lhe que me leve a casa. Preciso de descansar. 


Capítulo 7
JOANA


     Passaram semanas desde que eu e o Diogo retomámos a nossa história naquela praia. Temos passado dias maravilhosos a descobrir coisas novas um do outro, a perceber como o tempo nos mudou e como a vida, de facto, nos molda à medida que vamos passando pelas adversidades com que ela nos presenteia. O tempo passa e faz bruscas mudanças; as pessoas mudam as suas prioridades, mudam de gostos, mudam de vida, mudam de ideias, mudam de opiniões… mudam. A vida e as pessoas só andam para a frente quando passam por mudanças. 
     Fazemos amor todos os dias como se quiséssemos recuperar todos os anos que nos foram roubados. Evitamos falar do futuro e empurrar para depois o que podemos fazer agora. Por isso, como dois malucos, sem ter nada planeado, enfiámo-nos no carro e fomos conhecer a cidade de Sevilha. Dormimos no carro mas conhecemos tudo: a imponente praça de Espanha — a verdadeira pérola da cidade —, o parque Maria Luísa, o antigo bairro judeu de Santa Cruz, a Giralta, as Setas de Sevilha, a Torre del Oro e os famosos shows de flamenco que se reproduzem em várias ruas da cidade. Foram dois dias maravilhosos a comer tapas entre beijos e palavras de amor que ficarão eternizadas no tempo.
     Sevilha é uma pérola a céu aberto e uma cidade de sonho para viver dias românticos. 
     Relembro o que foram as últimas semanas enquanto vejo o Diogo dormir. A manhã está agradável e o sol já queima. Nas ruas já ouço os turistas, a azáfama, o rebuliço comum de Portimão.   
     Coloco o pequeno-almoço na mesa que está na varanda com vista para o extenso areal da praia da Rocha. O Diogo surge atrás de mim sem que eu consiga ouvir algum dos seus passos. Abraça-me pelas costas, beija-me o rosto e deixa o seu queixo pousado no meu ombro. 
   — Bom-dia, meu amor! Esta mesa está divinal. Fizeste as torradas exatamente como eu gosto.
   — Bom-dia. Senta-te.
   — Já me sento. Mas antes… — o Diogo rodopia o meu corpo para que possamos ficar frente-a-frente. — Deixa-me dizer que te amo muito e que estas últimas semanas foram as mais incríveis, mágicas e inesquecíveis de toda a minha vida. Eu podia ter uma vida boa em qualquer lugar deste mundo mas contigo ao meu lado eu tenho a vida mais feliz. 
   — Acordaste romântico! — ironizo. 
   — Eu não tenho culpa que me faças transbordar de amor, não é? 
   Enfio os meus dedos no seu cabelo, massajando-o. 
   — Obrigada por estas semanas maravilhosas que temos vivido juntos. Estou tão grata por tudo isto. 
   — Quero que todo o futuro que eu tiver seja ao teu lado. 
   O meu olhar cai em direção ao chão. Algo me diz que não vou ter um futuro, que não terei muitos anos pela frente. Os desmaios, os zumbidos, as dores de cabeça constantes alertam-me para uma fatalidade eminente. O Diogo faz-me festinhas suaves no rosto. 
   — Não gostas de falar do futuro?            
   — Não gosto de falar sobre o que não conheço ou sobre o que não sei se existe. O futuro é um lugar que nem todos irão conhecer. 
   — Dizem que quando amamos pensamos sempre no futuro porque pensar no futuro é acreditar num amor sem fim. 
   — O meu amor por ti nunca vai ter fim, Diogo. Mesmo que não tenhamos um futuro, anos e anos pela frente. Esteja onde estiver, o meu coração pertence-te para sempre. 
   — Não gosto quando falas assim. Vais ver que o TAC que fizeste não vai acusar problema algum. Vais ver que é só cansaço, horas a mais à frente do computador a escrever as tuas histórias. 
   — Nem tenho pensado nisso. — minto. 
   — Eu sei que tens. — o Diogo deposita um leve beijo na minha testa. Enquanto se senta na mesa, diz: — Tens planos para hoje?
   — Sim, vou ficar por aqui. Preciso mesmo escrever o fim do livro e enviar para a editora. 
   — Passas na loja quando acabares? 
   — Passo, claro. 
   
                                

   Ligo o computador assim que vejo o Diogo sair e ouço a porta do apartamento bater. Olho fixamente para o mar antes de começar a escrever o último capítulo do livro. Será uma carta de despedida.   

   Minha bela adormecida,
Quando leres estas linhas já estarei longe, muito longe deste lugar onde vivemos uma inesquecível história de amor. Sabia que teria de partir, que não poderia dar-te o final feliz que tanto desejavas ter a meu lado. Com a minha partida irás aprender que nem sempre as histórias de amor têm o fim que merecem. A nossa merecia tudo aquilo que idealizavas na tua cabeça, mas, infelizmente, não acontecerá. Lamento que antes mesmo de começar, a nossa história já tivesse o seu fim declarado.
Tu sabias que eu guardava um segredo. Quiseste descobri-lo várias vezes. Hoje é o dia de o descobrires. Há um ano, descobri que tinha uma bomba relógio dentro do meu cérebro. Um tumor inoperável. A sentença foi declarada: no máximo dois anos de vida. Fiquei desnorteado, não achei justo o que a vida me estava a fazer. Passei dias a vaguear, sem saber que rumo seguir, que atitude tomar.
Os meus olhos inundavam-se de água constantemente, o ar era pesado, o tempo parecia que se arrastava numa agonia vã. Vi todo o meu futuro a desmoronar sem que o pudesse viver. Tal como tu, e tantas outras pessoas neste mundo inteiro, eu tinha muitos planos para o futuro, eu queria muita coisa para mim, mas, naquele gabinete médico, eu soube que, infelizmente, não ia ter todo o tempo que todos nós pensamos que teremos. Chorei até sentir que as lágrimas se esgotaram. Nesse momento, decidi fazer o que sempre fizera em toda a minha vida: tentar superar as adversidades e viver da melhor maneira que conseguisse, sem nunca desistir, sem nunca me dar por vencido. Foi aí que surgiu a minha lista de planos. Foi assim que comecei a planear o meu último ano.
Quando a vida nos surpreende com uma doença fatal, sem cura, sem tratamento, sem que nada possa ser feito para que nos possamos salvar, nós perdemos toda a capacidade de acreditar nela. Depois do meu diagnóstico, eu nunca mais acreditei que a vida me pudesse surpreender e me pudesse voltar a fazer sorrir. Enganei-me, porque depois de tantas viagens pelo mundo, depois de passar por vários serviços de voluntariado, e ajudar o meu irmão a ser quem sempre foi, a vida levou-me até ti.
O plano principal da lista era encontrar a minha alma gémea e foi assim que eu te senti, naquele dia em que me atirei à água do mar e te salvei de seres engolida por ele. Desde o primeiro olhar, desde o primeiro toque, desde a primeira vez que nos falamos, eu soube, eu percebi, eu senti: tu eras a minha alma gémea.
Tive medo de me apaixonar e juro que não quis que te apaixonasses por mim. Mas ambos sabemos que foi inevitável. Quando a vida quer, não há nada a fazer. Eu sou grato pela história que vivemos, pela felicidade plena e arrebatadora que senti ao teu lado, pelo amor que fizemos e que deixou marca nas nossas vidas, na história do universo. Eu queria casar-me contigo, ter imensos filhos, viajar contigo para todos os lugares que sei que desejas conhecer, mas a vida não mo permitiu. Não foi uma escolha minha deixar-te, Ariella.
Lembras-te de te dizer que a perda de tempo é a pior de todas as perdas? O tempo que passei contigo foi o mais bem gasto de toda a minha existência. Aliás, não foi tempo gasto, foi tempo ganho. Enchi o meu coração e a minha alma de amor, de felicidade, de uma sensação arrebatadora de vida. Eu vivi mais nos meus últimos dias contigo, do que na minha vida inteira. Eu saí da vida, mais feliz e completo do que possas imaginar. Saí, sabendo que encontrei o que toda a gente procura e que, na maioria das vezes, não encontra: a sua alma gémea.
A vida foi madrasta comigo mas também soube ser generosa. Levar-me ao teu encontro, foi a maior prova disso. Estou grato à vida pelas nossas noites a ver a lua, pelos mergulhos no mar, pelo amor que fizemos, pelas músicas que cantamos juntos, pelos sorrisos, pelas partilhas, pela felicidade que me invadiu o peito e me fez dançar, cantar e pular como se a minha sentença de morte não existisse. Eu nunca te falei da minha doença porque me senti sempre vivo perto de ti. Perto de ti, a morte não existia. Quem pensa em morrer, quando está mais feliz do que nunca?
Sei que possas estar a sentir-te magoada e até zangada por não te ter dito. Podes achar que fui egoísta por ter deixado que te apaixonasses por mim mesmo sabendo que estava a caminhar, em passos largos, para a morte. Eu compreendo. Mas quero que entendas que se te contasse, nada seria como foi. Nos dias em que a doença se fizesse sentir, irias chorar por ver-me mal, irias pensar que iria morrer e deixar-te ali sozinha. Se soubesses que eu estava doente, nunca te sentirias tão feliz como te sentiste. Se soubesses que eu ia morrer, nunca ias desejar o futuro lindo que idealizaste para nós. Se soubesses, não ias sonhar, não ias acreditar, não ias estar bem. E eu sempre quis que estivesses bem. Eu quis que vivêssemos o presente maravilhoso que tínhamos, sem nos preocuparmos com o que poderia acontecer e como seria quando acontecesse. O futuro é um livro que ainda não foi escrito, um monte de páginas em branco que poderão nunca ser preenchidas. O presente é o contrário. O presente é o que temos em mãos neste momento, é um livro narrado em tempo real. O presente é o melhor lugar para se viver.
Sei que deves estar a ler-me, emocionada, revoltada mas compreensiva com tudo o que te estou a dizer. Sei que estás a fechar os olhos, para tentares ouvir a minha voz e que, num murmuro contundente, gritas pelo meu nome. Imagino que te apeteça fugir e deixar para trás os cenários da nossa história de amor. Sei que o teu coração dói, que a tua alma se contorce de tristeza, sei que dentro de ti existe um deserto imenso e dilacerante e que acreditas que o teu futuro também acabou. Sei que o sentes, porque seria assim que me sentiria se fosse ao contrário.
Mas o teu futuro ainda está por vir, Ariella. Nunca desistas da vida, nunca desistas dos teus sonhos, não deixes que a tua vida termine antes de terminar realmente. Vive tudo o que queres viver, visita todos os lugares que queres conhecer, entrega-te a todas as histórias que a vida te oferecer. E nunca, em momento algum, adies nada. Adiar é uma maneira estúpida de ceder ao medo que só nos impossibilita de viver o que é nosso por direito. E nunca, em hipótese alguma, percas tempo. Lembra-te sempre que nem todos vamos morrer velhinhos e que o tempo é limitado para todos. Faz agora, ama agora, sente agora. Vive o agora. Como nós os dois vivemos.
O tempo é limitado e a vida acaba. O que fica? O amor que demos e recebemos e as memórias felizes dos momentos lindos que a vida nos proporcionou. Eu fechei os olhos e parti para outra dimensão, mas a tua imagem está gravada em mim, na minha alma, em tudo o que o meu coração guardou antes de parar. Sempre que te sentires em baixo, descrente da vida, lembra-te que a nossa história de amor foi como uma tempestade de verão: um espetáculo lindo e maravilhoso, oferecido pela vida, a mesma que ainda te poderá surpreender. E nunca estarás sozinha, eu estarei sempre contigo, vivo dentro do teu coração. E todas as vezes que a brisa do mar te tocar, será o meu abraço que irás sentir.
Amo-te eternamente. Estarei à tua espera do outro lado da vida.
O teu,
Pescador Salvador.

   Mais uma história sem final feliz, diria a Diana.
   Um final real, respondo eu. 



A continuação da história estará disponível brevemente.

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Comentários

  1. Fenomemal, aguarda a continuação com grande expectativa, parabéns pela escrita tão real, pode ser a vida de qualquer um👌❤

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  2. Mais uma história maravilhosa
    Já estou amando
    Anciosa para ler os próximos capítulos
    Amigo parabéns
    Sucesso 👏🏻👏🏻👏🏻
    Estamos vivendo um momento tão difícil em nossas vidas que mergulhar nesse romantismo é maravilhoso 👏🏻😍😍😍😍😍
    Sou fã de carteirinha 😃
    Mais uma vez
    Parabéns 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

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  3. Mais uma magnífica história de amor! Adorei ler os primeiros capítulos e estou ansiosa para ler os próximos... para saber como se vai desenrolar está linda história de amor! Continuação de um excelente trabalho! Beijinhos.

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  4. Adoro uma história de amor.. entao quando me leva as lágrimas... é a melhor sensação do mundo...
    Obrigada pela linda história que partilhou....


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