A minha história com a depressão



Hoje decidi falar sobre uma parte da minha vida que nunca publiquei nas redes sociais. Nunca o fiz antes por vergonha, por medo do que as pessoas podiam vir a pensar, por não querer passar a ideia de vitimização. 
Mas hoje decidi escrever sobre essa parte da minha vida e dar a conhecer (até às pessoas que me conhecem) o que guardei para mim durante anos. 
Em 2014 comecei por me fechar em casa. Escondia-me dentro do quarto e fazia daquelas paredes o meu mundo. Eu vivia limitado àquilo. Dentro do meu quarto passava grande parte do tempo a dormir e a outra metade a chorar. No início achei que era uma fase e que logo passaria. Assim me diziam os amigos próximos com quem desabafava algumas coisas. Algumas, não todas. As mais importantes, aquelas que me doíam mais, aquelas que me feriam mais, ficavam de fora. Nunca gostei de partilhar com as pessoas as partes mais tristes da minha vida. Nunca gostei de me vitimizar e de fazer dramas. Talvez por isso, durante anos e anos, tenha criado dentro de mim uma bola gigante de dores e de acontecimentos que me corromperam e que em 2014 se manifestou. 
Depois de me enclausurar dentro de casa, de me manter longe das pessoas e do mundo, comecei a ter insónias. Foram tantas as noites que passei sem conseguir pregar olho. Deitava a cabeça na almofada, andava às voltas na cama e nada do sono aparecer. Em alguns dias parecia um zombie. Sentia-me a andar no mundo por andar. E isto com apenas 22 anos. 
Naquela época eu não tinha sonhos para conquistar, não tinha planos para o futuro, sentia-me um deserto imenso, sem vida, vazio por dentro. E senti-me assim durante muitos anos. Muitos anos. 
Depois comecei a ter mudanças bruscas de comportamento. Tanto podia estar a rir como a chorar. Quando alguém me obrigava a sair de casa, eu discutia. Dizia que não queria sair. Porque eu via no mundo uma ameaça para mim. Não queria encontrar pessoas que me pudessem ferir, que me pudessem maltratar. Estava muito marcado por tudo o que já havia passado até àquele momento. Sair à rua era um calvário para mim. 
Quando comecei a ter pensamentos menos bons e a pensar muitas vezes no que não devia, decidi pedir ajuda. Meses depois dos primeiros sinais, eu decidi pedir socorro. 
Conclusão: estava com depressão. 
Lembro-me de a desvalorizar. Disse aos meus pais que estava a tomar antidepressivos para me ajudar a dormir melhor. Nunca falei abertamente sobre o assunto com os meus pais. Nunca os quis preocupar ou arranjar motivo para ser o centro de conversas das pessoas. Desvalorizei o diagnóstico médico mas levei a medicação à risca. 

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Passaram-se meses e eu percebi que só a medicação não estava a surtir efeito. Então, mais uma vez, voltei a pedir ajuda. Decidi procurar uma psicóloga, alguém que me ajudasse a entender o buraco negro onde me via enfiado sem saber o que tinha feito para merecer tanto sofrimento. Porque todos os dias eram uma angústia, existia à minha volta uma sensação de vazio imensurável, vivia numa tristeza sem fim. Por mais que, fora do meu quarto, tentasse mostrar outra face e aparentar ser o mais feliz dos homens, eu não me sentia minimamente feliz. Esboçava grandes sorrisos e dava grandes gargalhadas mas não eram reais. Eu sentia-me obrigado a estar em pose para o resto do mundo como se demonstrar que estava um caco fosse o pior dos crimes. Porque é assim que a sociedade nos obriga a agir; só devemos partilhar a felicidade, o resto não. Mostrar que estamos mal, que a vida não nos corre bem, é visto como um ato vergonhoso. Mas não é. Às vezes falar que estamos mal é o que nos salva de acontecimentos piores. 
Mesmo medicado, eu não conseguia olhar-me ao espelho. Eu não conseguia gostar de mim. Não tinha autoestima, amor-próprio, nem via em mim capacidades para ser alguém na vida. Com vinte e poucos anos, eu era um rapaz morto, sem vida. Eu só respirava. Nada mais.
Eu vivia sufocado. E só. 
Quando tinha consultas com a psicóloga, eu dizia aos meus pais que ia sair com amigos. Nunca lhes contei a verdade. Não queria, mais uma vez, alarmar ou passar uma imagem errada.
E andei em consultas durante dois anos. Inicialmente tinha sessões de duas em duas semanas. Depois passei a ir uma vez por mês. 
E eu gostava. Eu gostava de estar ali duas horas e ter alguém disponível para me ouvir. Gostava de estar ali, falar sobre tudo o que me atormentava e perceber que não era julgado. Eu gostava de ir para as sessões porque saía de lá mais leve. 
Foi a psicóloga que me fez perceber o valor da escrita. Ela dizia-me para usar a escrita para exteriorizar os meus pensamentos. Para me libertar deles. Então comecei por fazer isso. Nos dias em que me sentia mais em baixo, eu escrevia. Escrevia sobre tudo o que me fazia sentir mal, do amor que sentia e não consegui viver, das pessoas que julguei minhas amigas e que, de alguma forma, permitiram que a vida nos afastasse, das rejeições que senti na pele, da forma como eu sentia que as pessoas me avaliavam erradamente, e de como me sentia um ET em lugares públicos. Escrevia, também, dos duros anos de escola em que servi de saco de boxe para pessoas que nunca conversaram comigo mas que me maltratavam constantemente. Só porque sim. Só porque lhes apetecia. Só porque não levavam de mim qualquer resposta ou confronto. Porque eu sempre tentei ser boa pessoa para todas as pessoas. Não há ninguém que possa dizer que eu faltei ao respeito a alguém, que eu magoei alguém propositadamente, que eu maltratei uma pessoa, que eu humilhei alguém, que eu fiz sofrer alguém. Não há nenhum amigo ou pessoa que já se tenha cruzado comigo que possa dizer que lhe fiz mal. Porque nunca o fiz. Porque aprendi, desde cedo, a não fazer aos outros o que não gostaria que me fizessem a mim. 
Dois anos depois, comecei a voltar a viver. Devagarinho. 
Tive medo de tropeçar e voltar à estaca zero quando a minha avó morreu. Confesso que aí tive medo de que todo o trabalho dos dois últimos anos fosse atirado ao lixo. Porque não sei lidar com perdas. Muito menos se forem de pessoas que eu amo muito.
Depois da morte da minha avó, fui sorteado com uma doença. Fui diagnosticado com queratocone (ceratocone), uma doença ocular que me vai acompanhar para o resto da vida. 
Mais uma vez, tive medo de afundar. 
Mas não afundei. 
Conviver com esta doença nem sempre é fácil. É muito desagradável, às vezes. Mas acabei por me habituar a ela. Como me habituei a tantas outras coisas na vida que eu nunca quis mas que tiveram que ser.
Hoje ainda estou a tentar reconstruir-me. Ainda sinto que as pessoas me olham e me avaliam, ainda me sinto só muitas vezes, ainda me sinto desconfortável em lugares com muita gente. Não gosto de me expor. E, por isso, nunca participo em diretos nas redes sociais e evito tirar fotografias. Confesso que ainda tenho algum medo do mundo e das avaliações injustas (e muitas vezes ingratas) das pessoas. Mas sinto que estou a dar a volta por cima e que aprendi muita coisa com todo este longo e doloroso caminho.
Aprendi que a solidão não é negativa, que não ter muitos amigos não é mau, que depender apenas de mim é o melhor solução. 
Hoje não me incomoda viajar sozinho, ir a um restaurante e dividir a mesa com ninguém, ir ao cinema sem companhia. Hoje não deixo de fazer nada porque estou sozinho ou por não ter companhia. Tudo que quero fazer, faço. Se quero ir conhecer um lugar bonito, eu vou. Mesmo sozinho. Eu vou. 
Aprendi a gostar da minha companhia. Aprendi a gostar um pouco de mim e consegui perceber que tenho qualidades e que até sou um gajo porreiraço. 
Aprendi que ser independente é mil vezes melhor do que viver agarrado às vontades e às expectativas dos outros. 
Aprendi que posso usar a minha experiência para ajudar os outros e que posso tocar corações com a minha escrita. 
Aprendi que a felicidade não existe porque a felicidade reside em momentos passageiros.  
E eu sou feliz com coisas pequenas. Como a ler um livro, a ouvir uma música nova, a ver um filme que me inspire, a conversar com amigos numa esplanada, a estar num miradouro a ver o pôr-do-sol, a conhecer lugares novos e a ouvir as histórias que as pessoas têm para me contar. 
Não preciso de muito. Não quero muito. 
Aprendi tanta coisa com os anos que passei fechado numa concha sem coragem para enfrentar o mundo. Perdi muitos amigos mas também percebi com quem posso sempre contar. 
Hoje sou mais positivo. Rio das tragédias que me acontecem e desvalorizo-as. Porque é assim que tem que ser. Viver os problemas não é solução para nada. E afundarmo-nos neles muito menos. 
Não sei o que me guarda o dia de amanhã. 
Mas aprendi que o hoje é que conta. 
Continuo sem sonhos e sem planos para o futuro.
Na verdade, evito fazê-los. Não gosto de criar expectativas.  
Confesso que não consigo ver-me daqui a dez anos. Não sei o que vou ser nem para onde caminho. Mas de uma coisa eu sei: vou tentar sempre ser o melhor que puder sem usar a desculpa de ‘ninguém é perfeito’ para não tentar ser.
Para todas as pessoas que me enviam as suas histórias e que partilham comigo as suas angústias, só tenho uma coisa a dizer: os momentos menos bons ajudam-nos a abrir horizontes e a perceber o que vale e não vale a pena. Todos os momentos passam. Os bons e os maus. Chorem se tiverem que chorar. Não é vergonha sofrer, demonstrar sentimentos, dizer que não estão bem. Não calem a vossa dor na esperança de que ela se vá embora. Procurem ajuda sempre que precisarem. E o mais importante e também o mais difícil: aprendam a gostar de vocês, não busquem na aprovação dos outros a definição de quem vocês são. 
E, claro, tentem sempre ser melhores pessoas.
A vida, um dia, hoje, amanhã, ou daqui a uns anos, trará a respetiva recompensa. 
Eu acredito nisso.


Fábio Teixeira


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