Lê os primeiros capítulos do livro "Isto Não é Amor"
O livro é inspirado na história real da adolescente Emma Walker, assassinada pelo ex-namorado, Riley Gaul.
SINOPSE:
Filipa tem 17 anos e tudo para ser feliz. É divertida, dedicada, apaixonada pela dança e lidera a claque da escola com orgulho. Quando se apaixona por Diogo, o capitão da equipa de futebol, vive o que todos acreditam ser o par perfeito: ela é a capitã da claque, ele é o herói dos jogos.Mas por trás dos sorrisos e das publicações nas redes sociais, esconde-se uma história de silêncio, manipulação e violência emocional.O que começa como um namoro de sonho, depressa se torna num pesadelo disfarçado de amor.Inspirado na história real de Emma Walker — uma adolescente norte-americana assassinada pelo ex-namorado — Isto Não É Amor é um romance duro, necessário e devastador.Escrito sob a forma de diário, este livro é um alerta para adolescentes, pais e educadores.Porque o amor, quando é amor, não mata.E quando magoa todos os dias… já não é amor.
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PRÓLOGO
Ela só queria ser amada.
Queria mensagens de boa noite, mãos dadas nos intervalos da escola, chamadas até adormecer. Queria um namoro como os dos filmes ou das séries que via no sofá com a irmã mais nova. Queria aquele amor bonito que toda a gente quer viver.
E, no início, foi isso mesmo que teve.
Ele era tudo. O namorado perfeito. Popular, carismático, encantador. Toda a gente gostava dele. Toda a gente lhe dizia que tinha sorte.
Mas depois...
Vieram os olhares.
As mensagens a perguntar com quem estava.
As discussões por causa da roupa.
O silêncio como castigo.
As desculpas que ela arranjava para justificar tudo isso.
“É só ciúmes. Ele ama-me. Vai mudar.”
“Às vezes sou eu que exagero.”
“Ele só tem medo de me perder.”
Até ao dia em que o medo passou a morar nela.
Este livro não é sobre a Filipa. É sobre tantas Filipas que existem nas escolas, nos bairros, nas turmas, nos nossos círculos. É sobre raparigas que confundem controlo com cuidado. Que se habituam à mágoa constante. Que normalizam comportamentos tóxicos por acreditarem que é por amor. Que acreditam que amor é sacrifício.
Mas não é.
Isto não é amor.
Este livro foi escrito para te mostrar isso.
Para te fazer parar. Pensar. Falar.
Para que mais nenhuma rapariga tenha de morrer às mãos de quem dizia amá-la.
Porque há silêncios que matam.
E há histórias que têm mesmo de ser contadas.
CAPÍTULO 1
2 de outubro 2023
Hoje decidi começar este diário, não sei bem porquê. Talvez porque a Ana me disse que escrever ajuda a organizar os pensamentos. Ou porque estou farta de sentir tudo sozinha, a pensar nas cenas vezes sem conta até ficar enjoada de mim própria. Já tentei escrever nas notas no telemóvel, mas depois apago tudo. Aqui pelo menos posso fingir que não é para ninguém, que ninguém vai ler, que posso dizer tudo como se estivesse só a falar para dentro.
Também é segunda-feira e eu detesto segundas. Mas esta começou diferente. Ainda estava a meter os fones quando o vi a passar no corredor da escola.
A sério, parecia saído de um filme.
Alto, moreno, sorriso meio de lado, camisola da equipa vestida como quem sabe que toda a gente o está a ver.
O Diogo.
Já o conhecia de vista, claro, quem é que não conhece?
É do 12.º ano, joga na equipa de futebol da escola desde o 10.º e este ano é o capitão.
Mas hoje ele olhou para mim.
Tipo olhou MESMO.
Não foi daqueles olhares vagos como quem está a ver o mundo a passar.
Foi olhar mesmo.
Como se me tivesse escolhido para olhar naquele instante.
Eu até corei, que vergonha.
Ainda por cima estava com a camisola da claque suada do ensaio e o cabelo preso à pressa. Nem sei se tinha rímel.
E depois aconteceu.
No intervalo grande, ele apareceu na zona da entrada do pavilhão onde estávamos a ensaiar a coreografia nova para o jogo de sábado. Eu estava a tentar corrigir a Catarina, que tem sempre dois pés esquerdos, quando ouvi a voz dele perguntar se já tínhamos música nova.
Olhei e lá estava ele, a falar comigo como se fosse normal.
As outras raparigas pararam todas. A Catarina até ficou com a boca aberta.
Eu disse que sim, que era nova, e ele sorriu outra vez.
A sério, aquele sorriso...
É tipo aqueles sorrisos que não se ensinam, que ou se tem ou não se tem.
Disse que gostava da batida e que a coreografia parecia fixe. E depois perguntou o meu nome.
Eu fiquei parva.
Disse “Filipa”, claro, e ele fez aquele gesto com a cabeça tipo “vou guardar”.
Já ninguém treinou em condições depois disso. A Catarina não acertou um passo sequer, a Ana ria-se de nervos e eu tentei manter o ar calmo, mas por dentro parecia que tinha um tambor a bater no peito.
No final do dia, quando saímos da escola, ele estava encostado ao muro, mesmo ao pé do portão. Estava com dois amigos da equipa, o Rafa e o Rui, acho. E voltou a olhar para mim.
Senti-me parva, tipo não sabia se devia sorrir, se devia ignorar, se devia fugir.
Mas ele acenou com a cabeça.
Eu sorri.
E agora estou aqui, deitada na cama, ainda com a roupa do ensaio, a escrever isto como se fosse uma cena importante.
Talvez não seja.
Talvez amanhã ele nem se lembre.
Mas talvez seja o início de qualquer coisa. Sei lá.
Eu já tive dois namorados.
Um que durou três semanas, o outro que só dizia “tás fixe?” e nunca percebia nada do que eu queria dizer.
Nunca tive aquele amor tipo filmes. Nunca tive aquela sensação de ser mesmo escolhida. Não sei se é isso que está a acontecer agora.
Mas hoje... hoje senti que alguém me viu.
E por agora, já chega.
CAPÍTULO 2
4 de outubro 2023
Hoje o Simão disse que sonhou com o Rui.
Outra vez.
Estávamos sentados nos degraus à frente do pavilhão, a comer gomas ácidas e a ver os jogadores aquecerem para o treino, quando ele me disse aquilo como quem fala de um desejo impossível.
E eu perguntei o que tinha sonhado e ele encolheu os ombros, como se não fosse nada, mas os olhos dele estavam diferentes. Ele está mesmo apaixonado.
O problema é que o Rui é daqueles rapazes que passa pelos corredores com ar de “ninguém me toca”, o típico hétero que manda piadas no balneário, mete stories a cantar rap português e vive com aquela pose de durão. Nunca o vi sequer olhar para o Simão de forma diferente, mas às vezes noto que ele repara.
Tipo hoje, quando o Simão tirou o casaco e ficou só com a t-shirt branca colada ao corpo por causa do calor, vi o Rui a olhar.
Só que depois desviou o olhar logo, como se não quisesse ser apanhado.
O Simão é o meu melhor amigo desde o sétimo ano. A partir daí nunca mais nos largámos e sabemos tudo um do outro.
Ele soube que era gay quando percebeu que não gostava de ver raparigas a dançar, mas sim rapazes a suar nos treinos.
E eu soube que ele gostava do Rui antes dele sequer mo confessar.
Ele finge que não é nada, mas o coração dele já bate por aquele idiota há meses. E eu fico entre o querer proteger e o querer que aconteça, porque o Simão merece ser amado por inteiro.
Eu só espero que o Rui não brinque com ele. Porque se brincar, juro que lhe parto os dentes da frente, mesmo que ele seja amigo do Diogo.
Falando no Diogo… hoje mandou-me mensagem.
Tipo mesmo mensagem.
No Insta.
Primeiro reagiu ao meu storie onde estava a dançar com a Ana no balneário da escola; tínhamos posto a “Zona de Perigo” em alto e gravámos uma trend meio parva com um passo novo que eu inventei.
Ele reagiu com aquele emoji dos olhos a brilhar e depois perguntou onde é que eu tinha aprendido a mexer-me assim.
Ri-me sozinha.
Respondi qualquer coisa estúpida, do género “anos de prática” com uma carinha a piscar o olho.
E ele respondeu logo: “Temos mesmo de combinar alguma coisa. Quero ver isso ao vivo.”
Eu gelei.
Depois vibrei.
Depois fiquei parva a olhar para o telemóvel.
Mostrei ao Simão, claro.
Ele gritou tão alto que até as meninas da claque olharam para trás.
Estávamos a meio de um ensaio da claque quando pus “Breathless” do Shayne Ward a tocar no altifalante. Era só para marcar o ritmo da coreografia nova, mas acabou por ser um momento meio filme.
O Diogo entrou no pavilhão nessa altura, ficou ali à porta a ver-nos dançar e eu coreografei aquele refrão todo a olhar para ele.
“You leave me breathless, I still can’t believe that you’re mine…”
Foi tipo cena de série.
Ele olhou-me de cima a baixo, não como quem avalia, mas como quem está hipnotizado. E no fim, quando a música acabou, ele fez aquele gesto com o polegar e o indicador, tipo “perfeito”.
E eu soube.
Soube que aquela música ia passar a ser nossa. Mesmo que ele nunca o soubesse. Mesmo que só eu a associasse a ele.
Agora está-me sempre a tocar na cabeça.
Hoje à noite ele mandou-me outra mensagem.
“Adicionas-me no snap?”
Adicionei.
Começámos logo a trocar aquelas selfies parvas com legendas que não dizem nada. E depois vieram os áudios. A voz dele é mais grave do que eu imaginava. Dá para arrepiar.
Mandou-me um áudio a dizer que adorava a minha energia, que eu tinha brilho.
BRILHO.
Quem é que diz isto?
Depois mandou outro só com a respiração dele enquanto a “Breathless” tocava ao fundo.
E depois disse: “Pus a tocar a nossa música.”
Eu nem sei bem o que estou a sentir.
Sinto que estou a cair e nem sei se há rede por baixo.
O Simão diz que estou parva. A Ana diz que ele é giro demais para não dar uma hipótese. A Catarina quer saber se ele tem amigos livres.
E eu?
Eu só quero que ele continue a olhar para mim como olhou hoje no pavilhão. Como se eu fosse a única pessoa viva. Mesmo que só por uns segundos.
Vou dormir com os fones nos ouvidos. A ouvir a música outra vez. A imaginar que ele está a ouvir também, em sincronia comigo. Como se estivéssemos ligados por uma melodia qualquer que ninguém mais percebe.
Pode parecer estúpido. Mas é isto que sinto.
CAPÍTULO 3
7 de outubro 2023
Hoje jogámos em casa e foi um daqueles dias em que tudo parece encaixar.
O pavilhão estava cheio, a bancada da escola parecia o Instagram ao vivo, com gente a gravar stories em todo o lado, bandeiras no ar, raparigas da claque com glitter na cara, e nós todas alinhadas com os laços vermelhos no cabelo, prontas para dar espetáculo.
Estava nervosa, não por causa da coreografia, mas por saber que o Diogo ia jogar.
E pior: por saber que ele sabia que eu ia estar a vê-lo.
Antes do jogo, encontrei o Simão à porta dos balneários. Estava com um hoodie novo e o cabelo meio despenteado. Disse-me que o Rui tinha metido um storie a treinar sozinho às seis da manhã.
— Este gajo é um enigma. — disse ele com aquele ar frustrado de quem já se magoou com esperanças.
O Simão está sempre atento, mas finge que não liga. Só que eu conheço-lhe os olhos. Quando o Rui aparece, ele paralisa. E o Rui hoje apareceu bonito demais para não ser notado; cabelo molhado, camisola justa, olhar desconfiado.
Acho que olhou para o Simão de lado durante o aquecimento.
Mas pode ter sido só impressão. Ou não.
Quando o jogo começou, a música de entrada foi a “Breathless” numa versão remix.
Não fui eu que escolhi, juro.
Foi o DJ da escola que meteu, mas eu senti aquilo como uma mensagem secreta.
O Diogo entrou no campo com aquele andar confiante, como se fosse dono da bola e do mundo. E quando olhou para mim, nem piscou.
O seu olhar foi direto, intenso, todo só para mim.
Fiquei gelada por dentro, mas sorri.
Fiz o meu melhor sorriso, o que treino no espelho quando estou sozinha.
A primeira parte foi um massacre. Ele marcou dois golos. Toda a bancada gritava o nome dele e, de vez em quando, ele olhava para cima. Não sei se era para mim. Quero acreditar que sim.
No intervalo, desci até à zona lateral do campo com as outras raparigas da claque. Estávamos a tirar fotos, a gravar para os stories, a fazer vídeos para TikTok — até fizemos uma trend nova com a Ana a falhar o passo no fim e toda a gente a rir.
O Diogo apareceu de repente e comentou.
— A vossa coreógrafa é um perigo. — disse ele, a rir, enquanto bebia água e se encostava à vedação.
Depois piscou-me o olho.
As outras raparigas olharam para mim como quem diz “ganhaste o Euromilhões”.
Depois do jogo, ele mandou mensagem.
Disse que estava com vontade de ir comer qualquer coisa para festejar e que ia com o Rui e mais uns quantos. Perguntou se eu queria ir. Claro que fui. Nem pensei duas vezes.
Mandei mensagem ao meu pai a dizer que íamos lanchar fora com o grupo da claque, que ele já conhecia. Não menti. Só omiti.
Encontrámo-nos num café junto ao parque da cidade. Eu, a Ana, o Simão e depois chegaram eles: o Diogo, o Rui, o Rafa e mais dois.
Sentei-me ao lado do Simão, mas o Diogo veio logo sentar-se do outro lado. Tão perto que o joelho dele roçava o meu de vez em quando.
Perguntou-me se eu tinha namorado.
Respondi que não.
Ele fez uma cara de incrédulo e atirou:
— A sério? Alguém devia ser preso por te deixar assim... livre.
Ri, claro.
Essa frase é tão de filme que nem sabia se era boa ou má.
O Simão revirou os olhos.
Ele nunca confia nos encantadores.
A meio da conversa, o Rui foi buscar duas águas e deixou o telemóvel em cima da mesa. O Simão ficou a olhar para o ecrã como se aquilo fosse um espelho. O wallpaper era uma paisagem, mas eu vi que ele estava a tentar descobrir se havia algo mais. Depois, o telemóvel dele vibrou. Era uma notificação do Insta. Surgiu o nome de um rapaz e o Simão desviou logo o olhar. Não sei se isso lhe doeu ou se lhe acendeu uma esperança.
Depois, no fim, quando estávamos a sair, o Diogo encostou-se à parede do lado do café e disse:
— Estás a perceber o que estás a fazer comigo, Filipa?
Fiquei paralisada.
Disse-lhe que não estava a perceber a conversa.
E ele, prontamente, respondeu:
— Estás a deixar-me viciado. Tipo mesmo viciado.
O meu coração disparou. Não sei se foi pela frase ou pela forma como ele a disse.
Não soube o que lhe responder. Fiquei estagnada. Ele também mexe comigo. De uma forma única, ímpar. Mas é tudo muito recente e muito novo, não quero alimentar cenas que podem nem dar em nada.
Cheguei a casa com a cabeça aos gritos.
Fui direta ao quarto, vesti o pijama e fiquei ali, na cama, com o telemóvel à frente, à espera de mais uma mensagem.
Não veio.
Fiquei a reler as anteriores e a ouvir “Breathless” em loop. A ver os vídeos do pós-jogo no Insta. A lembrar-me do toque do joelho dele. A pensar se isto é amor ou apenas a minha carência a falar mais alto; ou se estou só a sonhar demais.
O Simão diz que o Rui é impossível.
E eu tenho medo que o Diogo também não seja.
CAPÍTULO 4
9 de outubro 2023
Hoje fui de cabelo apanhado para a escola e o Diogo disse que gostava mais de me ver com o cabelo solto.
Disse isso no meio de uma conversa qualquer sobre o treino de ontem, com aquele tom de quem dá uma opinião mas já está à espera que a gente mude por causa dela.
Eu ri e disse que estava calor, que o cabelo solto me fazia suar a testa. Com o olhar preso no meu, atirou:
— Mas ficas mais tu.
Não sei bem o que queria dizer com isso. Fiquei a pensar o resto do dia. Até fui ao WC soltar o cabelo e ver-me ao espelho, só para perceber se havia mesmo alguma diferença. Quando voltei, ele sorriu. Como se tivesse vencido. Mas depois fez-me rir com uma piada estúpida sobre o professor de Filosofia e eu esqueci. Passa-me tudo rápido quando ele sorri.
Hoje estivemos juntos no intervalo da tarde, sentados na escadaria lateral, a comer bolachas de chocolate que ele trouxe para mim. Disse que eram as minhas preferidas, porque tinha visto uma foto minha no Insta, de há dois meses, com essas bolachas numa praia.
Senti-me observada, mas no bom sentido. Tipo cuidado. Atenção aos detalhes. Como se ele me conhecesse sem eu precisar de dizer nada.
Falámos da nossa infância, dos medos, de como ele detesta gente falsa e não suporta que lhe mintam. Falou com aquele ar sério, quase duro.
Depois pediu-me para não contar a ninguém que andávamos a falar. Disse que era só para evitar mexericos, que as pessoas são más e estragam tudo.
Eu percebi. Ou quis perceber. Afinal, ele é conhecido. Tem os olhos todos postos nele. Eu sou só a Filipa. A capitã da claque de apoio. A das dancinhas e dos vídeos parvos.
Às vezes sinto que ele me vê como sendo mais do que isso. Outras vezes não tenho a certeza.
O Simão hoje estava estranho. Disse que ia faltar à aula de Português porque não se estava a sentir bem. Depois vi-o sentado sozinho no jardim pequeno ao lado da escola, com os fones nos ouvidos e o olhar perdido. Fui ter com ele. Estava a ouvir a mesma música em loop.
“Flores”, aquela do Vitão com a Luísa Sonza.
Disse que o Rui tinha começado a segui-lo no Instagram. Que foi ele que mandou pedido. Mas que ainda não disse nada. Não lhe enviou nem um emoji. Nada. Acrescentou que isso o estava a deixar com um buraco no peito. Que a sensação que tinha entro dele era a de como se o mundo estivesse quase a mudar, mas que nunca mudasse realmente.
Abracei-o. Disse que ele merecia alguém que falasse. Que não ficasse só a ver. Ele disse que às vezes gostava de nascer de novo. Com outro corpo, noutra escola, noutro país. Onde ninguém o olhasse de lado por gostar de quem gosta.
Apeteceu-me chorar.
Às vezes acho que ele é mais forte do que todos nós. Por todo o preconceito que já enfrentou, pelas profundas desilusões pelas quais passou por causa de amores não correspondidos, por ter sempre que se afirmar como igual num mundo que condena as diferenças.
Quando voltei para casa, recebi uma mensagem do Diogo a perguntar se eu podia ir dar uma volta.
Disse que sim, claro.
Pus a camisola preta que ele tinha dito que me ficava bem, soltei o cabelo, meti perfume e saí.
Fomos dar uma volta de mota. Ele já tem carta.
Antes de subir na mota, confidenciou-me que adorava sentir o vento a bater-lhe na cara, que o fazia esquecer tudo.
A certa altura parou a mota num miradouro e ficámos ali, sentados no chão, com o Porto iluminado à nossa frente. Pôs a mão na minha perna e disse que me queria a sério. Depois pegou no telemóvel, abriu o Spotify e pôs a “Breathless” a tocar. Baixinho. Encostou a cabeça no meu ombro e ficámos assim, em silêncio. A música dizia tudo o que eu não conseguia dizer.
Senti que o coração estava tão cheio que doía.
Sem que nada o fizesse prever, quase como se pronunciasse as palavras em forma de sussuro, ele disse que às vezes tinha medo de perder a ligação que estávamos a construir. Afirmou que eu era diferente, que nunca tinha sentido algo assim por ninguém.
E eu acreditei.
Acreditei em tudo.
Quando me deixou em casa, pediu-me para lhe mandar mensagem quando entrasse.
— Quero saber que estás bem, sempre.
Mandei.
Ele respondeu com um coração vermelho.
Fiquei a olhar para aquilo como se fosse uma medalha. Por momentos, adormeci com o telemóvel na mão. E sonhei que ele me pedia para ser a sua namorada à frente da escola toda. E que eu dizia que sim. E que o Simão sorria de verdade. E que o Rui o beijava no pátio, sem medo. Sonhei que o mundo era mais simples do que é.
Mas podia ser, não podia?
Capa oficial do livro 'Isto não é amor' do escritor Fábio Teixeira
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