Leia as primeiras páginas do livro "confissões de um coração partido"

Romance do escritor Fábio Teixeira é dedicado "a todas as pessoas que já amámos e que foram, de alguma forma, uma lição na nossa vida".



1.
   

     Era uma vez um homem que se perdeu no amor. Ele deu tanto de si, lutou com todas as forças para que o sentimento prosperasse. Queria à viva força viver o que sentia, dar vida ao sonho que vivia preso no seu coração. Dia após dia, tirava do próprio ser para oferecer à pessoa amada, carinho, atenção, amor, e até a força que nem sabia que tinha. Ele suportou mentiras, omissões, calou-se quando tudo em volta gritava. Ficou mesmo diante de ações que o mandavam ir embora. Chorou, sofreu, abriu o coração milhares de vezes. Foram-lhe prometidas mudanças, melhorias e acertos. Todas as promessas foram quebradas, como se não tivessem valor, estilhaçando ainda mais o seu pobre coração.
Mesmo assim ele permaneceu, tentando, acreditando que o seu esforço seria suficiente. Mas, ao longo da caminhada, percebeu que o fardo era pesado demais para carregar sozinho. A cobrança silenciosa começou a surgir, transformando-se em discussões. O que antes era amor tornou-se uma batalha, onde os atritos levavam à desesperança. Até que um dia, ele desistiu. Não porque deixou de amar, mas porque amar demais, sozinho, o destruiu. E, agora, ele ainda sente. Não o amor, não a raiva, mas a mágoa e a dor de tudo que perdeu no caminho, de si e do outro. Um sentimento que persiste, mesmo na desistência. E ele sente, sente muito, sente tudo, sente tanto.
Como sempre sentiu. Desde o primeiro dia. Há quem afirme que nenhuma história termina quando as pessoas saem da vida uma da outra; a história só acaba quando o sentimento deixa  de existir. 
Mas nada que seja verdade, inteiro e real acaba em pouco tempo. Às vezes leva-se uma vida inteira para esquecer alguém. Por mais pessoas e amores que surjam, aquele será sempre especial, único e intemporal. Por tudo que nos fez viver, sentir, por tudo o que nos ensinou, por nos ter feito ver a vida por outra perspetiva, por todo o dano que nos causou, por tudo o que poderia ter sido e não quis ser. 
Há várias razões para que uma pessoa fique na nossa memória para sempre. Algumas porque foram lições que convém aprendermos à primeira para nunca mais voltarmos a sentir tudo o que jurámos não ser capazes de ultrapassar. Deveríamos aprender à primeira mas a vida gosta de repetir o teste. E quando menos esperamos estamos a repetir o padrão, a caminhar pelo mesmo círculo vicioso, incapazes de sair dele. Há quem diga que o amor é a maior armadilha dos mortais. Quem cai nela nunca se levanta sem marcas, sem traumas, sem lições, sem feridas para cicatrizar. 
E foi nessa armadilha que aquele homem caiu. E foi nela que ele permaneceu muito tempo. Sempre que tentava escalá-la, sair dela, olhava para baixo com medo de deixar aquele sentimento por trás. Porque o amor dói mas quando é sentido pela alma é o que de melhor podemos sentir. Não há nada mais bonito do que amar alguém como todo o coração, com toda a nossa essência, com todo o nosso ser. O problema é quando esse sentimento não é partilhado. Aí dói, magoa, dilacera, tortura, fere e deixa marcas que levam imenso tempo para serem apagados. Mas enquanto há esperança de se conseguir viver o que transborda, ficamos sempre. Tentamos mais uma vez. Entramos no ringue as vezes que forem precisas porque acreditamos que para chegar ao final feliz são precisos sacrifícios, que para se ter a sorte de viver um grande amor é preciso doer muito antes. Por que achamos sempre que o amor tem que doer? Porque romantizamos tanto a dor no amor? Porque somos educados a pensar assim. Porque é isso que os filmes, as canções e os poemas nos ensinam; que para ser amor tem que haver dor e sofrimento. 
Era nisso que aquele homem confiava. Que se aguentasse tudo e vencesse todas as provas, iria conseguir viver o amor que tanto desejava. Via em cada obstáculo mais um degrau a ser conquistado e menos um para alcançar o que mais almejava. E foi assim que ele se foi perdendo de si próprio, foi assim que o cansaço o agarrou e o tornou seu refém, foi assim que o deserto se foi instalando dentro do seu peito, fazendo-o acreditar que dentro dele só existia o vazio. 
Foi assim que ele se fez cinza. Foi depois disso que a vida o obrigou a renascer como uma fénix; com mais luz, com mais sabedoria, com mais consciência de que cair em armadilhas faz parte da vida mas permanecer nelas é uma escolha. Hoje ele sabe que ir embora também é um grandioso ato de amor porque agora ele entende que dizer adeus a quem não quer partilhar a sua existência connosco.
Hoje esse homem, que tanto se perdeu por amor, escreve sobre tudo o que passou, viveu e sentiu. Sem medo, sem proteção. Despe os seus sentimentos e vivências e partilha-os com o mundo. Porque ele vê na partilha uma forma de pertencer ao mundo, de fazer parte dele. Ele mostra-se frágil e vulnerável nos seus poemas sem medo da nudez dos sentimentos. Para ele mostrar tristeza e sofrimento é uma forma de apresentar a realidade às pessoas que hoje se enganam constantemente com a felicidade plástica que existe nas redes sociais. Ele sabe que a sociedade nos educa para silenciar a dor e esconder a tristeza, como se as pessoas fossem robots sem emoções que têm a obrigação de estar sempre bem e felizes... funcionais. 
Mas ele sabe que esse não é o caminho certo.
Esse homem sabe que tal como o amor, a tristeza e a dor fazem parte da vida e que tudo tem o seu tempo para ser vivido.
Esse homem sou eu.  

     Conhecemo-nos há três anos, poucos dias antes do Natal. Naquele dia chuvoso e frio tão típico do mês de dezembro, encontrei-te na casa do teu primo Carlos, um dos meus melhores amigos de faculdade. Estavas afundada no sofá da sala, aleste da festa que acontecia à tua volta. Recusaste todas as bebidas que te ofereceram e nenhuma música conseguia fazer-te levantar do sofá ou esboçar uma expressão mais alegre. Reparei em ti desde o primeiro segundo. Admirei os teus caracóis, os teus olhos castanhos tão brilhantes por das lágrimas que tentavas camuflar, os teus lábios compridos e finos. Receoso, sentei-me ao teu lado. Olhaste-me de esguelha, como que a analisar-me. Deves ter tido uma boa impressão de mim, porque me dirigiste um meio sorriso que me possibilitou ver o aparelho que tinhas nos dentes. Confesso que o teu meio sorriso, carregado de timidez e tristeza, me encantou. 
     Estendi-te a minha mão para me apresentar. 
     — Chamo-me Miguel.
      Antes de encaixares a tua mão na minha, fitaste-me séria, como se estivesses a tentar perceber se eu era alguém que valeria a pena conhecer.
     — Chamo-me Joana. 
     A tua voz doce e melódica seduziu-me só com esta pequena frase. Tornou-se, ali, a minha melodia favorita. 
    Esqueci-me da festa, dos outros convidados, do mundo que existia à nossa volta para te conhecer. Não demorou muito para me confidenciares que estavas mal porque tinhas terminado um relacionamento naquele dia. Contaste-me sobre a relação tóxica que vivias com esse rapaz e sobre a tua dificuldade em deixá-lo. Confessaste-me ainda que já tinham terminado várias vezes mas que acabavam sempre por reatar a relação com a promessa de que tudo seria melhor dali para a frente. 
    A tua vulnerabilidade cativou-me tanto que desde aquele momento quis estar ao teu lado para te apoiar no que fosse preciso. Senti que te deveria proteger de tudo e de todos porque a tua fragilidade mostrava que precisavas de alguém que te segurasse, que te resgatasse dos destroços, que te amparasse a queda, que te levantasse e te fizesse ver que vale a pena continuar, que seguir em frente nunca é impossível.  
     Começamos a seguir-nos no Instagram e todos os dias falávamos incansavelmente por mensagens. A cada dia que passava mais me prendia a ti, à tua história, à tua tristeza. Houve momentos em que tudo o que mais quis foi abraçar-te, dizer-te que estava ali, inteiro, para ti. Que jamais seria capaz de te causar qualquer dano, qualquer dor. Eu não estava apaixonado por ti (só muito mais tarde é que percebi que me tinhas roubado o coração e que tinhas feito dele a tua casa) mas já pressentia que te ias tornar numa pessoa importante na minha vida. Senti desde o começo uma conexão estranha contigo. Talvez porque me revisse em ti. Também eu já tinha vivido a dor do amor antes. Também eu já tinha provado o gosto amargo de amar perdidamente alguém que não sabe agir com reciprocidade, amor e respeito. Quando te conheci estavas mergulhada no caos, presa num ciclo vicioso que te estava a roubar a energia de viver e o sorriso radioso que tinhas mas que nem tu própria valorizavas. Quando te encontrei não tinhas autoestima, não reconhecias o teu próprio valor. Eras apenas um pedaço de ti mesma que andava à deriva sem saber que rumo tomar. Foram algumas as vezes em que te vi chorar, perdida, ferida, destroçada, por causa de alguém que nunca soube agarrar o tesouro valioso que eu via que tu eras. 
     Às vezes sentia inveja dele. Quem me dera que alguém me amasse da forma como tu o amavas. Ele fazia-te as piores coisas, por ele viveste os teus piores dias, passaste por desgostos e desilusões, deste-lhe sempre todas as oportunidades para que ele pudesse melhorar, por ti, pelo amor que tu acreditavas ser partilhado pelos dois. Mas a cada tentativa que faziam, tudo piorava cada vez mais. Dizias que ele te controlava os seguidores, que não gostava de nenhum dos teus amigos, que te fazia cenas de ciúmes sem qualquer fundamento, que exigia toda a tua atenção, que o teu tempo tinha que ser dele. Reconhecias nele grandes falhas mas, mesmo diante delas, continuavas a lutar por ele, por essa relação que nunca acrescentou nada à tua vida. Certo dia, depois de ele ter acabado contigo sem mais nem menos, só porque sim, deste um soco numa parede e feriste a mão. Nos dias a seguir, tiveste que lidar com a imagem que ele criou de ti diante de todos: eras agressiva, controladora e possessiva. 
     À medida que me ias contando tudo o que ele te fazia, tudo o que passavas por causa dele, mais revoltado me sentia. Percebi desde o começo que estavas a lidar com um rapaz narcisista, manipulador e mentiroso. Um rapaz que dizia que te amava mas que te tratava com desdém, que te negava afeto e carinho, que não reconhecia o bom que tinhas e que dava sempre um jeito de prejudicar a tua imagem diante das pessoas. Nem o teu sonho foi capaz de apoiar. Praticamente todos os dias te desmerecia, fazendo-te duvidar de ti, das tuas capacidades e do teu valor. Dizia amar-te profundamente mas humilhava-te, fazia publicações que te afetavam nas redes sociais e ainda te fazia passar por parva diante da relação estranha que ele mantinha com a sua suposta melhor amiga. 
     Foi durante este caos que a vida nos juntou. 
     Foi por te conhecer neste momento de extrema fragilidade que me afeiçoei tão rápido a ti. 
     E foi a mim que começaste a agarrar-te como se eu fosse uma bóia de salvação. Era sempre eu que lá estava, todos os dias, a toda a hora, a ouvir-te, a aconselhar-te, a fazer da tua dor a minha, dos teus problemas, meus. 
     Não te deixei sozinha em momento nenhum. Prometi a mim mesmo que te ia ajudar a ultrapassar essa história, que te ia curar. Que te ia resgatar da dor e fazer-te admirar de novo o arco-íris. 
     Estava longe de saber que a pessoa que eu ajudei a curar, a quem sempre entreguei o meu melhor, por quem fiz e dei tudo, a quem dei todo o meu tempo, a minha atenção e afeto, a quem doei tanto amor me iria ferir profundamente a mim…
     “Isto é o que acontece quando conhecemos uma pessoa num momento frágil dela; acreditamos que ela é um vaso de cristal que deve ser protegido e cuidado e só depois vemos que o vaso de cristal afinal também corta”, lembras-te? 
     Tenho a certeza que nunca te esqueceste.
     Que nunca esqueceste e que nunca esquecerás, a pessoa que te amou quando nunca teve motivos para amar. A pessoa que magoaste com sucessivas ações de desinteresse, desvalorização e faltas de consideração. A pessoa a quem entregaste tão pouco de ti e que te inundou de amor. De tanto. A mesma que te cuidou, te protegeu e te segurou. A que lá esteve sempre, nos dias em que o sol não brilhava na tua vida, naqueles meses duros em que as nuvens negras que pairavam sobre ti ameaçavam trazer severas tempestades. A que nunca duvidou das tuas potencialidades, que sempre fez tudo para que visses o teu valor, que te incentivou a perseguir o teu sonho e tudo aquilo que te fazia feliz. 
Aquela, a única, que trocava o mundo todo por ti. Porque tu eras o mundo dela. 
      É por isto que te escrevo esta carta.
      Para que ela seja a maior prova de amor que receberás em toda a tua vida.  
     

2.
 
   
   Apesar de dizeres a toda a gente que a vossa história tinha terminado, que não voltarias para ele, no início de janeiro aceitaste encontrar-te com ele em tua casa. O plano era falarem, tentarem resolver os problemas e encontrar soluções para os atritos que vos separavam. Mas o que acontecia na tua casa era bem diferente: iam para a cama, como se o sexo fosse a única solução que viam para conseguirem entender-se. E entendiam-se; algumas vezes por umas horas, outras por uns dias mas nunca por muito tempo. Porque as vossas diferenças, as vossas personalidades, feitios, objetivos e ambições eram totalmente opostas. Ainda assim, tanto tu como ele alimentavam a fantasia de que venceriam tudo isso com umas sessões de sexo e conversas onde nunca debatiam com clareza e maturidade as razões que vos levavam a viver num descompasso. Raramente estavam alinhados um com o outro. A sensação que eu tinha ao acompanhar a vossa história era a de que vocês estavam num barco que não saia do lugar porque um remava para um lado e o outro para outro. Foram poucas as vezes que vos vi realmente felizes. A maior parte do tempo vocês estavam tensos ou em lágrimas ou a falarem mal um do outro com os respetivos amigos. Mas, ainda assim, diziam que se amavam. E eu sei que o amaste. Só uma pessoa verdadeiramente apaixonada consegue suportar e desculpar tudo o que ele te fez. Claro que tu começaste a aceitar ser tratada dessa forma a partir do momento em que decidiste perdoar-lhe. E isso irritava-me em ti. Mas hoje sei que é fácil para quem está de fora dizer: larga, vai embora, desiste, estás aí a fazer o quê? Mas quando o coração, o corpo e o espírito estão inundados de sentimento, de amor, é difícil soltar, virar as costas, abandonar tudo e fazer o luto de uma pessoa de quem gostamos e que queríamos muito que ficasse na nossa vida para sempre, até ao nosso último suspiro. 
    Sempre que se entendiam, voltavas a sorrir. Mas nunca com um sorriso totalmente largo, totalmente feliz. Pairava sobre ti sempre um sombra, um certo desconforto, um incómodo que te inquietava o peito. Talvez porque soubesses que essa felicidade era passageira, que tinha prazo de validade, que mais hora menos hora iam começar as crises de desconfiança que levavam a discussões acaloradas com direito a insultos e palavras azedas que ferem e deixam marca. Como sempre acontecia. 
    Poucas semanas depois de te conhecer, aconteceu um episódio que revelava a toxicidade da vossa relação: ele deu-te um estalo. Aparentemente sem intenção de te magoar, estava só chateado contigo porque lhe demoraste a responder a uma mensagem. Quando se encontraram foi rude contigo, respondeu-te de forma torta e não quis ouvir a tua justificação. Partiu para o ataque. Deu-te um estalo, acabou tudo contigo e virou costas. No mesmo dia, à tarde, já andava a passear-se com outra diante de todas as pessoas. 
    Foi comigo que desabafaste, foi nas minhas palavras que encontraste conforto. Disse-te o que toda a gente te dizia: ele não te ama. Para ele tu és um troféu que gosta de exibir. Porque tu sabes que os teus amigos são contra esse namoro e para ele conquistar-te, ter-te na mão, é uma forma de afrontar as pessoas que gostam de ti, que querem o teu bem. Ele não gosta de nenhum amigo teu, arranja defeitos em todos, porque ele sabe que os teus amigos te querem abrir os olhos. Porque ele sente o perigo que cada um representa caso decidas dar ouvidos a algum deles.
     Para mim era clara a personalidade manipuladora e narcisista dele. Arranjava sempre forma de dar a volta à situação, distorcia os acontecimentos, inventava desculpas, a culpa era sempre tua, ele só era assim porque tu eras assado. Nunca nada era bem assim ou o que parecia ser. Mentia de forma recorrente mas sabia como te seduzir, sabia que o teu ponto fraco era o teu romantismo aliado à tua carência. Às pessoas dizia que tu eras dramática, que as coisas não tinham a proporção que lhe davas. 
     Agia desta forma contigo mas também agia assim com alguns dos amigos dele; sempre que se chateava com algum amigo, a culpa era do amigo, nunca dele. O mesmo acontecia quando falava dos pais, do irmão, da família; eram todos uma merda. 
    Reconhecia-lhe traços encantadores também. A sua boa disposição, o seu sorriso, a gargalhada que captava todas as atenções, era nítida a sua necessidade de ser o foco, a atração do lugar onde estava. Sabia como ninguém conquistar as pessoas. Pelo menos até se fartar delas. Mas que ele tinha uma luz e uma energia que enchia qualquer lugar onde ele estivesse, é inegável. 
     Nasceu para dar nas vistas, para ser visto, admirado e para ser o dono universal da razão. Não fosse ele um leonino de gema, com todas as caraterísticas do seu signo. Dava primazia às piores embora quando quisesse conseguisse demonstrar um lado humano, real e sensato. 
     Era por esta pessoa que estavas perdidamente apaixonada e por quem te sujeitavas a passar por situações que te feriam a alma e atacavam o teu amor-próprio. Muitas vezes chegavas a questionar se a culpa seria mesmo tua, se a tua forma de agir estaria errada, se eras tu que não sabias dar-lhe a estabilidade e segurança que ele tanto te cobrava. Tinhas toda a gente à tua volta a dizer-te o mesmo, todos a apontar as mesmas coisas, tudo a afirmar com convicção que nada daquilo era amor mas, ainda assim, foram inúmeras as vezes em que silenciaste a voz do mundo para viveres o que sentias, o que na tua cabeça fazia sentido, o que para ti era o certo. Talvez o teu romantismo te levasse a acreditar que por amor valessem a pena todos os sacrifícios e que sem eles não há final feliz. 
     Não é nessa ilusão que praticamente todos caímos quando amamos?
   Apesar de o perdoares e de dares consecutivas oportunidades à vossa relação e àquilo que tu consideravas ser amor, a sombra da amizade esquisita que ele mantinha com a sua melhor amiga desestabilizava-te. Sentias ciúmes, ficavas insegura em relação aos segredos que eles partilhavam e que ela se recusava a dividir contigo. Apanhaste-os em várias situações constrangedoras e leste algumas conversas no whatsapp que semearam dentro de ti a desconfiança. 
    Certo dia, confidenciaste-me que a forma como os dois se olhavam demonstrava desejo. Que eles tinham uma cumplicidade duvidosa. Embora ele te dissesse que nunca tinha tido nada com ela, existiam muitas contradições, muitas coisas muito mal explicadas. Tudo muito pouco claro. No final de janeiro, um mês depois de nos conhecermos e de já me teres colocado no cargo de suporte principal da tua vida, foram resolver os vossos problemas com mais uma sessão de sexo. Mas assim que vocês saíram da tua casa e ele encontrou a melhor amiga, largou-te e foi a correr na direção dela. Lembro-me de me teres enviado uma mensagem a dizer: ele não quer saber de mim. Achas normal ele fazer-me isto?
     Cometi desde o começo um grande erro: o de fazer das tuas dores as minhas, o de ficar do teu lado, dando a minha cara, para te defender. Como o fiz nesse dia e em todos os outros em que precisaste de alguém que te apresentasse a realidade e te fizesse entender que eras merecedora de algo melhor. Que essa história com ele não te trazia nada de novo, não somava nada à tua vida, não te trazia paz; afastava-te dela. Ouvias sempre tudo o que eu tinha para te dizer, com toda a atenção, porque soubeste sempre, desde o começo, que só queria ver-te bem, que só queria que fosses verdadeiramente feliz. Respondias que sabias que eu tinha razão no que te dizia, que eu estava certo, concordavas com a forma como expunha o que eu pensava e via sobre a tua relação com ele. Ouvias-me mas voltavas a cair  no mesmo erro de sempre: o de voltar para ele. Todas as semanas se desentendiam, todas as semanas acabavam com tudo, eliminavam-se das redes sociais, bloqueavam-se no whatsapp e depois fingiam que não se conheciam quando se encontravam na universidade. Mas tudo sol de pouca dura; tanto a separação como a reconciliação, vocês viviam num círculo vicioso de onde nem tu nem ele conseguiam sair. Nenhum conseguia quebrar o feitiço que vos fazia viver um amor tóxico, instável e que virava as vossas vidas e as vossas emoções de pernas para o ar. Tu não conseguias ser feliz, mas ele também não. Com o tempo percebi que os dois eram dependentes emocionais um do outro, que a vossa carência, a falta de atenção e de afeto que sentiam, aproximou-vos. Vocês viam um no outro a solução para o vazio e a solidão que sentiam. Mas vocês não se curavam um ao outro, só conseguiam que as feridas se aprofundassem ainda mais. 
     E por tudo isto, por te ver nesta situação, por sentir pena de ti, por me identificar com a tua dor porque, em tempos, eu também já a tinha sentido, acolhi-te no meu coração, abri-te todas as portas, deixei-te invadir a minha vida, os meus sentimentos, porque via em ti a natureza em forma humana. Via em ti pureza, simplicidade, humildade, um conjunto lindo de qualidades que me fizeram acreditar que eu estava diante de alguém raro no mundo. Eu via tanto e tudo em ti. 
     Eras luz para mim... até ao momento em que fui obrigado a conviver com as sombras que, afinal, tens. 


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