Leia as primeiras páginas do livro "As Palavras Que Ficaram por Dizer"

O romance do autor Fábio Teixeira foi publicado em maio de 2024. Em seis meses, já foram vendidos mais de 2500 exemplares. No final de dezembro foi lançada uma edição especial em forma de comemoração da 2ª edição do livro.




     Um dia, eu esqueço tudo. 
Sim, eu vou parar de pensar em ti. Eu vou desistir. E tu, como sempre, não terás que fazer nada. Para ti eu sempre fui apenas uma garota como as outras; quanto a mim, tu sempre foste o homem por quem esperava desde a infância. O homem que seria capaz de me dar todo o amor e toda a paixão, que enfrentaria mares e montanhas para ficar comigo, o verdadeiro herói, valente e corajoso, que, por amor, luta até ao fim.
Eu faria qualquer coisa para agradar os teus belos olhos, porque eu era louca por ti e, infelizmente, eu ainda sou. 
Desde o dia em que te conheci, para mim, nada mais existia além de ti. O meu mundo eras tu. Os meus olhos estavam cheios de amor e admiração quando falava de ti, tu eras o meu modelo a seguir. 
Foi lindo de se sentir um amor como esse... Agora vou ter que apagar tudo, até o menor gesto e a menor palavra. E acredita que dói. Dói muito apagar todas as mensagens, as fotografias, os sonhos que construímos juntos e todo o futuro que, afinal, não acontecerá. 
Mas tenho a certeza que se tu voltares, eu vou aceitar-te, se tu me chamares, eu vou responder-te... 
O amor é louco e eu sou louca por ti.

     Escrevi-te esta carta no dia em que soube que tinhas feito sexo com outra mulher. Estávamos sem falar há alguns meses. Sem saber porquê, afastaste-te. Depois de me cobrires com promessas, de me iludires com planos para um futuro a dois, de me jurares amor para sempre e de me garantires que não conseguias viver sem mim, foste embora. Assim, sem mais nem menos. Sem justificações, sem razões, sem um porquê. Por diversas vezes, foi assim que agiste. De repente, ias embora. Como se nunca me tivesses feito nada, sem olhares para trás, sem te importares com o estrago que tinhas feito na minha vida e sobretudo no meu coração. Simplesmente, ias embora. Ias viver a tua vida como querias, fazer o que querias. E, depois, também de repente, decidias voltar para mim. Voltavas sempre com o mesmo pedido de desculpa, com as mesmas promessas de sempre e eu, completamente apaixonada, aceitava-te de volta, de braços abertos, disponível para tentar outra vez. Mais uma vez.
     Dizem que o coração de quem ama está sempre disponível para tentar outra vez, para reconstruir tudo do zero, para recomeçar uma história de amor as vezes que forem precisas até à derradeira. Até que, finalmente, tudo dê certo e a palavra fim seja selada com um beijo apaixonado, num cenário idílico como naquelas cenas finais de novela em que depois de meses de sofrimento e obstáculos atrás de obstáculos os grandes protagonistas se rendem ao amor e ficam juntos por toda a eternidade. 
     Também dizem que um coração apaixonado perdoa até à exaustão, que suporta o insuportável, que aguenta tudo porque confia num final feliz.  
     É verdade. Eu sempre confiei num final feliz. E por isso sempre te perdoei, sempre te abri os braços quando me pedias mais uma oportunidade, sempre me dispus a tentar outra vez. Porque eu acreditava que era possível ficarmos juntos, porque eu vivia mergulhada nessa ilusão, porque estava irremediavelmente apaixonada por ti. 
     «Desta vez vai ser diferente, eu prometo!», «Eu vou mudar!», «Nunca mais me vou embora!», perdi a conta ao número de vezes que me enviaste mensagens destas. Se conseguir contar as vezes em que te afastaste e voltaste talvez consiga contar o número de vezes em que ouvi o mesmo discurso e as mesmas falas doces, as mesmas promessas fáceis, os mesmos planos utópicos em que me fazias acreditar.  
     Mesmo temendo uma queda, uma nova desilusão, sabendo o sofrimento horrível por que poderia passar outra vez, voltava a acreditar em ti quando dizias que me amavas e que eu era a tua vida.  
     Um dia, numa das imensas cartas que te escrevi e que nunca te enviei, disse-te que um amo-te falso destrói a vida de quem acredita nele. Essa frase não podia ser mais certeira. 
     Porque senti a minha vida ser destruída sempre que ias embora e me deixavas sozinha como se nada daquilo que vivemos juntos tivesse importância, como se todas as palavras de amor que dirigimos um ao outro se tivessem evaporado no vento, como se eu fosse uma boneca de peluche que se atira para um canto do sótão quando não tem mais serventia. Ainda que não vejas as coisas desse modo, porque só tu podes falar dos teus sentimentos, foi assim que me fizeste sentir. Não tens noção da quantidade de vezes em que me senti menos do que nada por tua causa. Ou por minha causa. Por ser tão estúpida, tão crente nas pessoas, tão honesta nos sentimentos.
     Sempre que te afastavas, a minha vida parava. Ficava sem vontade para comer, para dormir, para sair com os meus amigos, para ir de férias para o Algarve, ficava sempre num profundo estado de apatia que me assolava a alma e me fazia passar grande parte das noites a chorar. E quando acordava tentava perceber onde iria buscar forças para atravessar mais um dia sem ti. Porque mais um dia sem ti era mais do que eu conseguiria suportar. Lembro-me que olhava incontáveis vezes para o telemóvel à espera de uma mensagem tua, mas o telemóvel não tocava, de ti nem um sinal. E ia passando pelos dias embrulhada numa neblina de tristeza, envolvida por uma agonia vã e inútil com quem me habituei a conviver. 
     Passava os dias à espera do teu regresso. 
     Vivia para isso.  
     E quando finalmente voltavas, sempre que a tua vontade assim o permitia, eu voltava à vida. Voltava a ser feliz. Voltava a sentir-me plena, serena, pronta para ultrapassar, a teu lado, todos e quaisquer obstáculos.
     E tu interpretavas na perfeição o papel do homem arrependido que tinha voltado para ficar. Desta vez, para sempre.
     Caí tantas vezes nessa armadilha. Às vezes a vida coloca-nos à prova, quer ver até onde vai a nossa teimosia, até que ponto aguentamos uma determinada situação. 
     Por te amar aguentei tudo. As tuas aventuras com outras mulheres, as tuas confissões sexuais, os teus engates esporádicos, as tuas lamentações amorosas, as tuas indecisões constantes, os teus incontáveis avanços e recuos, as sucessivas decepções que me foste oferecendo, noites e dias inteiros a chorar... por te amar desci ao inferno muitas vezes sempre crente de que o final feliz recompensaria todo o sofrimento, toda a dor e tristeza, todas as noites e dias, tantos meses e anos, sem sentido.
     Mas será que recompensa?
     É para te dar a resposta que te escrevo esta carta. Quero contar-te de que forma vivi a nossa história e todos os acontecimentos que tantas vezes nos uniram e outras tantas nos separaram.






     Já se passaram quinze anos desde o dia em que as nossas vidas se cruzaram. Se fechar os olhos ainda consigo ver-te a correr atrás da bola de futebol e sentir o calor abrasador que se fazia notar naquele dia ensolarado de Julho. Recordo que trazias vestidos uns calções de ganga e uma a camisola azul com a palavra Fly estampada em letras brancas. A tua atenção estava totalmente focada na bola e nos passes que os teus amigos faziam. Jogavas à defesa. A tua posição favorita. 
Se continuar com os olhos fechados ainda me vejo a mim, paralisada, a olhar para as curvas do teu corpo e a analisar as pernas musculadas que pisavam o campo de terra batida. Lembro-me dos gritos de incentivo de algumas raparigas que assistiam ao jogo e da voz incessante do teu pai que te orientava.
     Movida por um sentimento inexplicável, como se existisse um poderoso íman invisível que me impelia na tua direção, lembro-me de não conseguir desviar os meus olhos de ti. Nunca te tinha visto antes, não tínhamos amigos em comum, nem o teu nome sabia mas senti uma forte conexão contigo, como se te conhecesse há muitos anos. 
     Mesmo sem saber nada de ti, era capaz de jurar que te conhecia melhor do que ninguém. 
E essa sensação ficou clara quando os nossos olhos se encontraram e o mundo inteiro parou. Deixei de ouvir os gritos das raparigas, a voz do teu pai, a brisa e a minha respiração. E ficámos ali, mergulhados um no outro, como se o tempo, o espaço e o universo tivessem deixado de existir e nos tivéssemos transformado em duas estátuas. 
     A passos curtos, quase impercetíveis, e entre sorrisos e olhares bastante envergonhados, começámos a avançar na direção um do outro. Os nossos olhos não se descolaram um só segundo. O íman que nos puxava na direção um do outro mostrou toda a sua força naquele momento. Nunca me havia sentido tão conectada com alguém. 
     — O meu nome é Ricardo. — apresentaste-te esboçando um sorriso largo que me possibilitou ver o aparelho que tinhas nos dentes.
     — Eu chamo-me Sofia! — respondi, completamente inebriada.
     Continuamos com o olhar fixo um no outro e rapidamente ganhei a perceção de que serias muito importante para mim. Não digo que me apaixonei perdidamente por ti naquele momento. Mas percebi que aquele encontro era a primeira página de um livro que teria ainda muitas páginas por escrever. 
     Trocámos números de telefone e rapidamente começámos a conversar por mensagens. Falávamos todos os dias. Naquela época estavas apaixonado pela Gabriela, uma miúda do bairro vizinho. Confessaste-me, várias vezes, que vinhas para a varanda de tua casa vê-la a andar de bicicleta na rua. Foi um período difícil para ti porque rapidamente percebeste que ela não tinha o mesmo interesse que tu tinhas nela. Ainda deram umas voltas juntos, trocaram beijos e apalpões atrás da igreja, mas o verão acabou e o romance também. Ela seguiu a sua vida e tu ficaste a juntar as peças do teu coração desfeito. Foi aí que sentiste, pela primeira vez, a dor de um amor desigual e fui eu a única pessoa disponível para ouvir os teus desabafos, para te secar as lágrimas e para te incentivar a seguir em frente. 
     Uns dias depois, farta de te ver sofrer, pedi-te o número de telemóvel da Gabriela para falar com ela. Queria ajudar-te e levar-te à felicidade que só conseguias sentir ao lado dela. Falei com ela e convencia-a a voltar para ti. Falei-lhe de todo o amor que sentias por ela, do sofrimento em que vivias mergulhado desde o dia em que ela te deixou e realcei as qualidades que eu sempre vi em ti e que ela parecia não ver. Ou não lhe interessava ver. Porque ambos sabemos que, infelizmente, o nosso coração tem vontade própria e, muitas vezes, entrega-se a quem menos o merece. Eu disse muitas vezes? Troca isso por quase sempre. 
     Deves estar a questionar-te sobre a razão que me levou a ajudar-te. É simples. Não te posso garantir que já estava apaixonada por ti nessa altura até porque só constatei esse facto algum tempo depois, mas já gostava muito de ti. Gostava da tua simplicidade, da tua humildade, da tua ingenuidade, da pureza que via nos teus olhos cor de avelã. É dos teus olhos de menino que me lembro vezes sem conta. Se fechar os olhos ainda vejo o brilho que eles emanavam e ainda consigo sentir a verdade que existia neles. 
     Nesta altura já olhava para ti como se fosses um bem precioso que deveria ser cuidado e estimado, protegido e amparado. E foi pelo sentimento de proteção e carinho que nutria por ti que te ajudei a voltar para os braços da tua amada Gabriela. Fi-lo por amizade. Ou pelo menos, naquele momento, estava convicta disso. 
    Uns dias depois, sem saber porquê, deixaste de me enviar mensagens. Lembro-me como se fosse hoje da falta absurda que senti dentro do meu peito. Foi como se o meu coração tivesse saído do meu corpo e não batesse em lado nenhum. Estava viva mas apática, sem vontade para nada. Lembro-me de permanecer afundada no sofá, embrulhada na tristeza, a olhar para as paredes sem conseguir parar de chorar. Os dias que estiveste ausente foram os piores da minha vida até àquele momento. Nunca me havia sentido tão vazia, tão triste, tão desolada. Senti tanto a tua falta. Estava habituada a falar contigo todos os dias, de manhã à noite, e, de um dia para o outro, tudo se alterou. Não há nada mais difícil do que largarmos um hábito e eu estava habituada à tua presença assídua e constante e ter que me adaptar à tua ausência forçada estava a corromper-me por dentro. 
      Voltaste dias mais tarde dizendo que estavas sem Tag e que, por isso, estiveste ausente aqueles dias todos. 
      Parece que foi ontem que tudo isto aconteceu, mas já lá vão muitos anos. Quinze anos, para ser exata. 
      Conheço-te desde a era do Hi5, do Tag, do Bluethoot, das 1500 mensagens semanais que se esgotavam em menos de cinco dias. Acho que te conheço há uma eternidade porque tanta coisa separa esse tempo do tempo atual. Tanto já mudou. Os telemóveis com teclas deixaram de existir, o Facebook destruiu o Hi5 e o MSN, as 1500 mensagens foram trocadas pelas conversas no Messenger do Facebook e no WhatsApp. Também surgiu o Instagram, o Tinder, o Snapchat e tantas outras redes sociais que nos roubam o tempo sem nos apercebermos disso. Hoje qualquer pessoa pode baixar uma música da internet através do seu smartphone sem esperar que alguém lha passe por Bluethoot ou infravermelhos. 
     Só passaram alguns anos, mas o mundo é outro. As pessoas vivem vidradas no visor dos smartphones e tudo é touch. Nas esplanadas as pessoas estão quase todas online para o que é virtual e offline para o que é real. Poucas conseguem perceber o que acontece à sua volta. 
     Desde a nossa primeira conversa até hoje, muito mudou, até mesmo o que não tinha necessidade de mudar. 
     Mudou quase tudo. Mas o campo onde te conheci continua intacto, os cenários que embelezaram os nossos melhores momentos continuam iguais, as músicas que ouvimos juntos continuam a ser incríveis e os nossos momentos bons nunca se perderam na gaveta das memórias, nem no tempo que já passou. 
     Passaram anos mas continuas a viver dentro do meu coração, num grande espaço só teu, onde fizeste morada. Passaram tantos anos, mas ainda nos vejo aos dois, no baloiço, a planear a vida como se ela não tivesse outros planos para nós. Ainda nos consigo ver, a rir, numa singela sintonia, naquelas tardes em que à nossa volta nada mais existia e tudo éramos nós. Só nós. Como sempre quisemos que fosse. Nós. Num futuro incrível onde realizaríamos juntos todos os nossos sonhos. Ainda nos vejo, naquele banco, de dedos entrelaçados, sem pensar em nada, sem querer saber do mundo à nossa volta. Ainda te vejo nos corredores, nas ruas, nos sítios por onde tantas vezes passaste, num tempo onde eras outra pessoa, num tempo onde tudo nos parecia possível. 
     Onde nos perdemos um do outro? Onde, como e porquê? Onde ficaram os planos, os sonhos, o futuro que imaginámos? Onde ficámos nós? Onde andarão os adolescentes que fomos e que sonhavam que iam passar a vida juntos? 
     Não sei. Só sei que o caminho que seguimos já não é o mesmo que nos uniu e nós já não seguimos a mesma direção. Só sei que nos perdemos no tempo, mas mesmo assim, ainda te consigo encontrar dentro do meu coração. Porque de lá não sais. Nunca saíste. 
     Mesmo quando quis muito que isso acontecesse. 
     Mas já lá iremos.




     Três semanas depois a Gabriela voltou a terminar a vossa relação. Mais uma vez foi a mim que recorreste para desabafar a tua tristeza e pediste para que eu voltasse a falar com ela e tentasse dissuadi-la de manter a decisão de terminar o namoro. 
    Assim o fiz. Mas ela estava irredutível. Ela não te amava, não tinha interesse em ti. Quando uma mulher não ama um homem não há nada que a faça olhar para ele duas vezes. Então, depois de sucessivas tentativas fracassadas, decidi ser honesta contigo e aconselhar-te a seguires a tua vida porque a Gabriela não te amava e tu certamente ainda irias descobrir o grande amor da tua vida. 
    Quando não é para ser, não adianta forçar ou insistir.
    E assim o fizeste. Seguiste a tua vida, um dia após o outro, até chegares ao dia em que não pensaste e nem falaste dela uma única vez. O tempo foi o teu maior aliado e ajudou-te a transpor a barreira do esquecimento que achavas nunca conseguir ultrapassar. 
    E eu estava lá, à tua dianteira, todos os dias, a ajudar-te a superar, a ajudar-te a olhar para o futuro com esperança de que ele te traria o grande amor que sonhavas viver. 
    Durante largos meses pertencemos um ao outro. Falávamos todos os dias, passávamos tardes juntos a explorar a serra e a casa em ruínas da floresta, almoçávamos juntos na pizzaria da vila, fazíamos planos para o futuro, prometíamos que nunca nada iria afastar-nos e que a nossa amizade jamais terminaria. 
     Foi num dia bastante nublado, onde se fazia notar um ar gelado e a chuva se anunciava para breve, que percebi que estava apaixonada por ti. Embora só meses mais tarde tenha aceitado tal evidência.  
     Se fechar os olhos ainda consigo ver-me a caminhar lentamente em direção às piscinas da vila enquanto olhava para o visor do telemóvel à espera de um sinal teu. Mantendo os olhos fechados, ainda me vejo a dar um passo a seguir ao outro rumo à imagem que nunca esquecerei. tu e a Mónica aos beijos, entregues ao tesão, à loucura, a uma tórrida aventura de final de tarde. 
    Saí de lá o mais rápido que consegui na companhia de um coração estilhaçado e uma dor nova e profunda que nunca havia sentido antes. Não percebi o que me estava a acontecer nem consegui entender a razão que me levou a ficar naquele estado de tristeza desmedida. Só me sentia deslocada do mundo, da vida, de tudo o que existia à minha volta. Lembro-me das lágrimas silenciosas que insistiam em rolar pelo meu rosto mesmo fazendo tudo para que elas não caíssem dos meus olhos. Nunca me havia sentido assim, como se o mundo tivesse desabado em cima de mim, como se a minha alma tivesse emigrado para um lugar sombrio e frio, sem vida nem cor. 
     Fiquei a tarde toda sem te responder às mensagens. Fi-lo para me proteger da dor que continuava a latejar dentro do meu peito e que parecia ser indelével. Não queria falar contigo, não queria que me contasses os detalhes da tua curte com a Mónica, não queria ler coisas que me pudessem magoar ainda mais. 
     Deves estar a perguntar-te se foi nesse dia que percebi que estava apaixonada por ti. Deixa-me dizer-te que foi nesse dia que coloquei a hipótese de. Ainda tentei, durante muito tempo, convencer-me de que tudo o que estava a sentir era uma ilusão da minha cabeça. Tentei convencer-me de todas as formas possíveis e imagináveis que tu eras apenas um amigo, um irmão que a vida me oferecera. Não podia nem queria estar apaixonada por ti. Porque eu sabia que esse sentimento poderia afetar, indubitavelmente, a nossa amizade. 
     Facto que se veio a comprovar mais tarde. 
     Claro que ainda mantive a esperança de conseguir travar os meus sentimentos e de estancar esse amor irracional e impetuoso que sentia por ti. Mas todos os meus esforços se revelavam infrutíferos. Nada conseguia apagar-te do meu sistema. Nem as minhas aventuras com outros rapazes com quem tinha bons momentos de prazer mas que nunca passavam disso; de sexo, de tesão.
     É possível amar uma pessoa e ir para a cama com outras? É. Tanto tu como eu sabemos que sim. Às vezes o tesão e a atração imensurável que sentimos por uma pessoa, consegue camuflar os nossos sentimentos e, por momentos, parece que conseguimos desligar o coração e viver apenas aquele momento de loucura, de aventura. Deixamo-nos levar pela carência, pelo desejo, pela vontade férrea de seguir os nossos instintos mais primários. Mas depois, volta tudo. Voltam os sentimentos, volta o amor, volta a realidade da qual, tantas vezes, tentamos desviar-nos usando o corpo e o coração das pessoas que cruzam o nosso caminho e que nos parecem ser bóias de salvação afectivas às quais nos agarramos como se fossem a única maneira de sobreviver ao mar revolto em que tantas vezes o amor se transforma. 
   Acho que o erro comum da humanidade é tentar enganar o coração de todas as formas possíveis quando sente estar a viver um amor que pode nunca acontecer ou que tem tudo para dar errado.
    Mas é inútil. 
    Ninguém engana o coração nem contraria a sua vontade. Mais do que um poderoso músculo que nos dá a vida, o coração é o motor dos nossos sentimentos. Só ele tem aquele botão milagroso que acende e desliga os sentimentos. Só ele sabe quando tem que o fazer. Só ele conhece o tempo e a verdadeira intenção da vida quando nos desperta para o amor. 
     Fugir do que se sente, é fugir de quem se é. 
     Será que vale a pena enganar o coração e a nós próprios?
     E quais serão as consequências disso?
     Já te conto, mais à frente.
 
   Passei essa noite em claro, a dar voltas pela casa, como um fantasma que perdeu o rumo. Estava desfeita. Nada para mim fazia mais sentido. A minha vida não tinha sentido. A minha existência tinha-se perdido diante daquela imagem. A sensação que me corroía o corpo era como a de um atropelamento fatal. Tudo em mim doía, o ar não circulava pelos meus pulmões com agilidade, os meus olhos ardiam, como se dentro deles um fogo imenso se alastrasse cada vez mais sempre que surgia à minha frente, aquele momento em que te vi com a Mónica. Nessa noite, que durou milénios a passar, decidi que ia afastar-me de ti. Sentei-me na minha cama, peguei no meu inseparável bloco de notas, e escrevi-te uma missiva decidida de quem decidiu bater com a porta. Nunca chegaste a ler estas linhas. Mas, nesta que é a grande carta de amor que te dedico, quero que leias tudo o que foi escrito por ti e para ti ao longo destes longos anos. 
     Nessa carta, escrita no tom mais magoado e revoltado que possas imaginar, depositei todas as minhas frustrações, desilusões e debilidades. Não sabia bem porque me sentia neste estado, sei que não me devias nada, mas não consegui evitar ficar destroçada ao ver-te nos braços de outra pessoa. Uma pessoa que não era eu, que não fazia o que eu fazia, que não te amava como eu. 

     “Escrevo-te para te dizer que chegou a minha hora de bater com a porta. 
     Há um limite para tudo e eu já ultrapassei o meu. (...)"


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