Nada se conquista sem esforço, muito menos o amor.

Tu és o autor da tua vida. Vive-a como sentes, como queres. Sem medo. Para viver é preciso coragem. Então, sê corajoso.


   O sol está a erguer-se. São seis da manhã quando saio da garagem da casa dos meus pais com a minha bicicleta nas mãos. Há alguns anos que já não pedalo. Desde que emigrei para o Luxemburgo deixei de praticar desporto. Abandonei a bicicleta e os exercícios que fazia todas as noites para tonificar o corpo.
  Sento-me no banco rijo da minha eterna bicicleta azul, a mesma que durante anos percorreu comigo quilómetros e quilómetros. Conheci todos os recantos do Porto sentado nesta bicicleta.
   Antes de dar as primeiras pedaladas, coloco os fones nos ouvidos e ponho a tocar a playlist composta pelas músicas do meu ídolo Bob Marley. Cruzo as ruas estreitas dos antigos bairros da foz em direção à Pérgola, um dos lugares mais icónicos da cidade do Porto e onde se vislumbra o amanhecer e entardecer mais bonitos do mundo.
  Demoro menos de dez minutos a chegar à Pérgola. Encosto a bicicleta a um dos altos pilares de cimento pintados de amarelo dourado. O Atlântico e o Sol a nascer na linha do horizonte é tudo o que encontro à minha frente. Ao meu redor só existe o barulho das ondas e o silêncio da cidade ainda adormecida. 
   Fico estarrecido com esta paisagem. Não é por acaso que dizem que a Pérgola da Foz, construída em 1930 por António Enes Baganha, é uma varanda com vista privilegiada para o paraíso. Há lugares mágicos que nos curam de toda a tristeza. Este é um deles. Sinto-me mais liberto, mais apaziguado. O meu coração está a bater no ritmo certo e o corpo parece ter ganho uma energia nova.
   - O que faz um rapaz tão novo aqui, a vero mar, com os pensamentos tão longe deste mundo?
   Olho de soslaio para o senhor de barba branca, cabelos grisalhos e pele enrugada que interrompeu o meu momento de introspeção.
    Mantenho-me em silêncio. Não conheço este homem de lado nenhum nem me lembro de algum dia o ter visto por esta zona.
   - Eu venho aqui quase todos os dias… Este lugar restabelece a minha alma e esvazia o meu coração de dores que não tenho como curar. 
   - Desculpe?
   Estou atónico. Por que razão fala este homem comigo como se fôssemos velhos amigos?
   - Venho aqui desde que a perdi…
   Ele ignora a minha questão e continua o seu discurso como se eu fizesse parte da sua vida e conhecesse a sua história. Por segundos, ainda penso em pegar na minha bicicleta e ir embora, mas mudo de ideias ao perceber que pela face do senhor correm lágrimas desoladoras.
   - Quem é que perdeu? – indago, com complacência.
   - A mulher da minha vida… O amor por que toda a gente espera a vida inteira e que muitas vezes passa por nós e nós nem o vemos passar.
   O seu olhar está perdido no horizonte cor de laranja que nos ilumina.
   - O que aconteceu? – pergunto-lhe, com todo o cuidado.
   - Ela morreu.
   - Como?
   - Um aneurisma rebentou junto ao cérebro. Morreu sem ninguém estar à espera. Num dia ela estava cá e no outro deixou de estar. – as palavras arrastam-se num tom quase mudo que revela o sofrimento atroz que o consome.

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   - Deve ter sido muito difícil perder a sua esposa.
   O senhor olha para mim. Os seus olhos tristes, repletos de lágrimas, invadem-me.
   - Ela não era minha esposa.
   - Desculpe. – respondo, atrapalhado. – Eu achei que estava a falar…
   - Nem toda a gente se casa com o seu grande amor, rapaz. Às vezes ficamos com a pessoa que nos dá mais jeito, que nos é mais cómoda, que nos mantém na nossa zona de conforto. – a brutalidade das suas palavras atinge-me como um soco no estômago. – Muitas vezes ficamos com a pessoa que nos dá menos trabalho e com aquela que todos dizem ser a certa para nós. O grande amor da nossa vida é aquele que nos dá trabalho e o que exige tudo de nós. Nada se conquista sem esforço, muito menos o amor.
   - Então quer dizer que você se casou com uma mulher mas amava outra? – questiono, totalmente baralhado.
   - Sim… Os meus pais eram donos da maior fábrica têxtil da região. Tinham dinheiro. Muito dinheiro. Eles não aceitaram que eu quisesse casar com uma moça que não pertencesse à nossa classe social e eu acabei por lhes fazer a vontade. Casei com outra mulher, tivemos filhos, construímos uma vida em conjunto que se prolonga até hoje.
   - Que história!
   A minha expressão é de incredibilidade.
   - Mas nunca fui feliz como imaginei que seria. Os anos foram passando e eu comecei a perceber que nada na vida consegue ter mais valor do que passá-la ao lado de quem nos completa. Quando tomei a decisão de me separar, a mulher que eu realmente amava morreu. Eu deixei que o nosso tempo se esgotasse e guardo essa culpa e esse arrependimento até hoje. Não consigo ter paz, não consigo dormir uma noite inteira, não consigo não me sentir culpado. A mulher que eu mais amei na vida morreu a acreditar que eu nunca a amei. Eu nunca consegui mostrar-lhe quanto gostava dela. E a vida nem nos deu tempo para nos despedirmos.
   - Mas continuou casado depois da morte dessa mulher?

Uma das críticas na Wook. 

   - Continuei… mais uma vez fui cobarde. Sabe que as pessoas acomodam-se às coisas e depois é muito difícil libertarem-se daquilo que acham que a sua vida tem que ser. Quando perdi a mulher da minha vida, forcei-me a acreditar que, se calhar, a minha vida tinha que ser exatamente aquilo que ela era. E por isso deixei-me ficar preso a um casamento de aparências que todos à volta acreditam ser o mais feliz e real de todos.
   - As coisas raramente são o que parecem. – o meu pensamento solta-se em voz alta.
   - Quando te vi aqui, a olhar para o horizonte, de certa forma, revi-me.
   - Talvez eu esteja a viver uma situação idêntica à sua… só que no meu caso eu posso despedir-me da mulher que amo e mostrar-lhe o quanto a amo.
   - Então se podes fazê-lo, fá-lo.
   - Só que eu tenho uma relação com outra pessoa. E eu também gosto muito dessa outra pessoa. Não me parece justo largá-la depois de tudo o que ela e a família dela fizeram por mim… E nós até somos felizes.
   O senhor solta um grande suspiro.
   - Faz o que o teu coração te disser para fazeres, rapaz. Ouve-o. Fica sozinho num lugar só teu e escuta o que o teu coração e a tua alma têm para te dizer. Às vezes as pessoas calam o seu coração e depois dão-se mal. Se há coisa que aprendi, de forma bem dolorosa, é que fazer o que os outros esperam de nós só nos vai fazer viver uma vida que não é nossa. Há quem diga que temos várias vidas, mas esta é a que estamos a viver. Fá-la valer a pena. Não queiras chegar à minha idade com a sensação de que toda a tua vida foi uma peça de teatro escrita pelos outros. Tu és o autor da tua vida. Vive-a como sentes, como queres. Sem medo. Para viver é preciso coragem. Então, sê corajoso.
   - Eu não sei o que fazer… - assumo, com a cabeça baixa e os olhos cheios de lágrimas.
   - Não sabes o que fazer porque estás sempre a pensar no que os outros vão pensar daquilo que tu decidires. Ouve, a vida é tua. E não são os outros que vão chorar ou sorrir por ti.
   - Eu não sei se tenho coragem para largar tudo...
   - O teu coração não está em paz. E enquanto não estiver, tu nunca estarás bem em lado nenhum. Pelo menos, não por muito tempo.
   - O que acha que devo fazer? – interrogo-o, fitando os seus olhos azuis marcados pela dor de viver a vida inteira longe do seu grande amor.
   - O que o teu coração diz e tu finges que não ouves. O problema da maioria das pessoas reside aí: o coração indica-lhes o caminho, mas teimam em seguir por outro. A vida não é igual para todos e nem traz um manual de instruções.
   O senhor fita-me amorosamente enquanto pousa as suas mãos cheias de marcas nos meus ombros.
   - Abre os teus olhos e olha para dentro de ti. Estás satisfeito com a vida que tens?
   - Conheço essa frase. – digo, sorrindo.
   - É do Bob Marley. – sorri. – Se as pessoas praticassem o exercício dessa frase mais vezes, seriam bem mais felizes. E evitariam tantos erros e atitudes inconsequentes.
   Anuo.
   O senhor tem razão.
   Há quanto tempo não reflito sobre a minha vida e sobre o caminho que ela está a seguir?
   Estarei onde sempre quis estar?
   A minha vida é o que eu realmente quero?
   O meu coração está no lugar certo?
   Chegou a altura de me desligar do mundo e repensar tudo.
   Há alturas em que temos de olhar para trás, rever a nossa história, revisitar os lugares onde já fomos felizes, para tentar compreender melhor a nossa história e podermos seguir adiante.


ACABOU DE LER UM EXCERTO DO LIVRO 'ANTES DE DIZER-TE ADEUS'

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"«Antes de dizer-te adeus» é um livro que nos faz refletir sobre a vida, sobre a importância de vivermos o presente, sobre o poder milagroso do amor e sobre a tão indesejada morte."

"Uma escrita simples e brilhante. Um livro emocionante com uma mensagem clara: não podemos nem devemos deixar a vida e as pessoas para depois."


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