O tempo muda tudo. Até o que não devia mudar.


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         Vejo-a sentada na cadeira de sempre a olhar para o nada. Não sei o que pensa, do que sente falta, nem por que olha para o nada tantas vezes. Talvez sinta a mesma falta que eu. Talvez haja dentro dela o mesmo buraco que existe no meu peito. Vejo-a ali, à espera, com os olhos prostrados, tristes, vazios. O mês em que ela sempre se sentiu menos sozinha, transformou-se num mês igual aos outros onze. O tempo encarregou-se de afastar as pessoas, de mudar tudo o que durante anos foi «o mesmo de sempre». A verdade é que quando uma pessoa muda a sua postura, todas as pessoas à sua volta sentem essa mudança. Ela está a sentir a mudança dos outros. Porque ela continua a ser a mesma de sempre. A mesma que se preocupa demais, que sente demais, que ama demais, que se importa demais, que ensinou os filhos a pensar e a agir assim. 

Fui educado a dar sempre o meu máximo a quem vinha de fora, a pelo menos tentar agradar-lhes sempre. Fui educado a não ser egoísta, a não olhar só para o meu umbigo, a não pensar só nos meus interesses. E, por isso, partilhei o meu quarto, a minha cama, a minha casa, o meu espaço, com todos os que precisaram, durante o tempo que quiseram. E era feliz assim. Os meus avós, esses, ensinaram-me a amar a família e a gostar de todos apesar das diferenças, das opiniões divergentes, das atitudes que, muitas vezes, eu não compreendo. Criei algumas ‘inimizades’ ao longo dos tempos. Amuava demais, dizem. Ou ficava chateado sem razão nenhuma, acrescentam. Mas a educação que eu tive e os valores que me ensinaram foram totalmente diferentes. Eu cresci com os donos da família. Foi com eles que aprendi a valorizá-la. Ou a dar-lhe uma maior importância. Afinal, família há só uma. E será a mesma até ao fim dos meus dias. 

Uns dias antes de morrer, a minha avó disse-me uma coisa interessante. Foram palavras vindas do nada. Naquele momento, nem percebi o porquê daquela conversa. Mas eu acho que é nos momentos finais da vida que nos propomos a reflectir sobre ela. «Eu gosto da família toda. Mesmo daqueles que nem sempre estão presentes. Nem toda a gente vai sentir como tu ou como eu. Mas no fim é o sangue que fala mais alto». O sangue. O que nos corre nas veias. Mas será o sangue capaz de unir pessoas? Será o sangue motivo suficiente para aproximar os ausentes? E se for, será só no momento da morte de alguém? 

Até a mim me faz confusão o silêncio da casa, os lugares vazios dos sofás. Recuo para trás tantas e tantas vezes. Pergunto-me a mim mesmo: «o que mudou?», «o que aconteceu?». Onde está aquela pessoa com quem eu cantava na varanda as músicas dos D’ZRT e de quem sinto saudades apesar da distância emocional que insiste em manter? Onde é que está a mesa com quase trinta pratos em cima? Onde é que estão as tardes no terraço? Onde estão as conversas animadas, os risos, a partilha, a união que existia? Está tudo tão diferente. Mas o tempo muda tudo. As tradições rompem-se, as festas perdem o ânimo, as coisas que durante muitos anos foram certas, alteram-se. Tudo muda. Até o que nunca devia mudar. 

Ela continua a olhar para o nada. Acho que a saudade que ela sente é a mesma que eu sinto. Somos tão iguais. Mas ela explode com mais facilidade do que eu. Talvez, olhar para o nada, ficar em silêncio, sem cobrar a atenção de ninguém, seja a sua forma de reagir às mudanças que surgem à sua volta. Ou melhor. À nossa volta. 

Fábio Teixeira

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